5/17/2013

e-crítica

Instalação do Festival Literário de Sidney, do blog Justin Hill Author

Há alguns anos Miguel Real dizia claramente que a crítica estava morta, pois não havia já coragem para criticar, sob risco de errar clamorosamente. Aquilo que hoje é, amanhã deixa de o ser e a nossa visão torna-se apenas errada, reacionária, ou absurda.

A «Recherche» proustiana foi destroçada (em avaliação editorial para a NRF) pelo André Gide e vários outros casos fazem a história da crítica «ao lado», da incapacidade de ver e compreender algo que outros mais tarde o farão. Ocasional? Por vezes, também. Mas a crítica, por mais recursos e conhecimentos que se chamem à colação, será sempre um ato pessoal, uma opinião, uma visão impregnada de todas as virtudes, defeitos e características de quem o faz, da sua relação ou não com o fazedor ou a geração, grupo, proveniência, características, associações ou qualquer outra questão comezinha que possa intervir na avaliação exclusiva da obra.

Não há provas cegas de literatura (exceto em brincadeiras e com textos já conhecidos), nem as mesmas fazem sentido num campo interpretativo tão vasto como o da literatura. Ler é pessoal, é um percurso individual que nos molda o gosto. Depende da nossa vida, dos factos que nos afetam mais profundamente, dos temas e necessidades que tecem a nossa vida. Mas dão elementos importantes que ajudam à formulação de pontos mais ou menos pertinentes na história da escrita.

Com a morte da crítica abriu-se o espaço à pluralidade, à avaliação independente dos textos por estratos (onde todos são críticos e criadores), e muitos elementos de qualidade não são tidos em conta. Para uns o enredo pode não ser inovador, mas ele nunca leu nada igual e gosta, para outro o estilo pode ser genial, apesar de estar só a imitar outro escritor mais competente que nunca terá lido, por exemplo. Nada disso importa no novo mundo, na infoesfera. A qualidade é definida pela popularidade de quem fala, pela influência que essa pessoa tem no seu círc[ul]o particular. A pertinência morreu.

Provar que determinado texto é bom passa hoje pela presença constante em eventos e locais que «afirmem a popularidade», que «reforcem a influência», pela presença comunicacional e aumento da plataforma. À morte da crítica, se X aparece nos jornais, vai a festivais e encontros literários é automaticamente considerado bom − apesar de em nenhum lado se ter dito que o era, ou porquê −, entrando num circuito que agora também se apoia nele para se promover, no mesmo circuito de influência e popularidade.

A par com a morte da pertinência, dá-se a o surgimento de outros elementos acessórios típicos dos fenómenos de popularidade. A questão da novidade, do novo, do jovem, face ao conhecido, já visto e, independentemente da qualidade, sem capacidade de trazer o hype necessário a estes fenómenos. Chama-se a curiosidade e o desconhecido como espaço em potência para o crescimento. Se cresce muito, entra para o circuito, se não cresce, nada se perdeu, entrando na voragem dos dias.

Entre jovens e menos jovem existem grandes o pequenos escritores, será através da nossa competência de leitores que teremos de separar o trigo do joio.

Nuno Seabra Lopes

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