4/17/2016

Festival Literário da Madeira

Como aqui há uns tempos referi, fui convidado pela primeira vez para um festival literário. Apesar de geralmente fugir deste tipo de eventos porque os vejo geralmente como espaços de divulgação do universo literário (que não ficaria propriamente mais enriquecido pela minha presença) e porque sou um pouco anti-social (lá o dizia a minha mãezinha), aceitei este convite simplesmente porque havia uma mesa de editores com um tema que acho essencial que seja tratado de forma aberta: na maior parte do pouco debate que se faz em torno do livro e da edição em Portugal raramente se discute de forma aberta critérios e processos editoriais de escolha e tratamento de originais o que leva a que os escritores, e muitas vezes o público, vejam os editores como uma espécie de bicho-papão.

Depois de ter aceite o convite feito pelo Mário Rufino, chegou-me à atenção o texto da Joana Emídio Marques. Como sei que não pertenço a nenhum "grupo" (apesar de não estar "contra" ninguém - que para muita gente parece ser a única alternativa a "pertencer"); porque havia pessoas que admiro (o Afonso Cruz que encontro raramente mas com quem tenho sempre excelentes conversas e troca de recomendações literárias, para além de ser das pessoas mais lúcidas que conheço a falar de religião), a Cláudia Clemente (que publiquei na Ulisseia e com quem me divirto sempre imenso), a Ana Cássia cuja escrita, sobriedade e desassombro acho raras, o Nuno Seabra Lopes com quem é sempre um prazer falar de edição... lá fui eu.

Numa nota algo egoísta, devo também confessar que, apesar de já ter andado por quase todo o Portugal, a Madeira era ainda solo virgem para mim.

Os meus três dias de Festival Literário da Madeira deram-me o prazer de rever muita gente que não via há muito tempo e vários jornalistas que praticamente apenas conheço de trocas de e-mails e alguns telefonemas. Assisti a sessões quase todas interessantes. Passeei de manhã bem cedo pelo Funchal a pé (à procura de nozes de Macadâmia), uma cidade bonita cheia de gente simpática. E lá estive no meu painel a falar do que acho importante - infelizmente sem a presença da Clara Capitão que eu queria conhecer mas que não conseguiu chegar devido às más condições atmosféricas.

Se alguma coisa tenho de criticar é que acho que as sessões - com um moderador e 4 convidados - deveriam ter maior duração. Os temas eram abrangentes e complexos demais para tão pouco tempo.

Faltou também alguma relação com escritores residentes locais - também não sei se haverá muitos.

Fiquei impressionado pelo bastante público que afluiu e gostei bastante de saber que os escritores tinham ido, durante a semana, a várias escolas.

Aquilo que temia, vindo de fora, era que o Festival fosse algo muito feito para consumo próprio e isso garantidamente não foi. Houve público e diálogo com esse público.

Há muitos anos que escrevo que o que falta em Portugal na área do livro é uma política e/ou campanha continuada de promoção do livro e da leitura. Ocorre-me que, independentemente dos diferentes organizadores, pode criar-se uma rede de festivais literários e de eventos a eles associados - já que do governo nada há a esperar. Um conjunto de festas do livro que associem, para além da convivência com os grandes escritores, eventos de promoção da leitura para crianças, a workshops de escrita ou de contar histórias, aquilo que, afinal, é essencial para se ganharem novos públicos: uma educação continuada para a escrita e para a leitura.

Em todos os festivais faltam eventos para a infância e juventude, que incentivem a leitura e a escrita (não separadamente mas em conjunto).

Aqui há uns anos não havia quase nada. O que há agora é muito melhor do que nada. Claro que pode melhorar, sim. Mas como em tudo, demorará tempo.

Se há alguma máquina de controle ou grupos instalados, até é possível. Eu diria que é natural. Acontece em todos os eventos culturais cá e no estrangeiro (e não apenas nos literários). São questões inevitáveis mas só seriam criticáveis se tivéssemos uma alternativa interessada em ser alternativa e nós por cá, na nossa literatura, não temos.

Os efeitos nefastos também me parecem diminutos, precisamente porque os escritores alternativos portugueses são, intencionalmente, alternativos e escrevem, geralmente, para públicos alternativos. Gostariam eles de ser convidados? Viriam eles aos festivais? Será simples criar uma mesa com escritores não mainstream? O público alternativo afluiria aos Festivais?


Que intervenção têm, querem ou podem ter os escritores, editoras, agentes do meio que não estão habitualmente nos festivais? O Festival Literário da Madeira é promovido por uma pequena editora, a Nova Delphi. Não me parece muito absurdo ou sequer improvável que escritores, editoras e outros agentes "alternativos" possam apresentar sugestões, ideias, propostas aos Festivais já existentes ou a municípios que ainda os não alberguem.

Se a Booktailors organiza muitos deles... haverá outra entidade/empresa com capacidade para o fazer? Se sim, porque não o faz?

Resumindo: eu não notei nenhum indício evidente de um possível complot (provavelmente precisaria de ir a muitos mais festivais para notar os padrões que a Joana identifica). Mas mesmo que o tivesse identificado, conhecendo o nosso meio editorial como conheço, pergunto-me se há oposição interessada em ser oposição e pergunto isto porque tradicionalmente em Portugal é fácil falar-se mal mas raramente quem o faz tem vontade ou capacidade de ser alternativa eficaz e concreta.

Quanto ao FLM, fui bem tratado pela organização a quem agradeço a oportunidade de falar daquilo que acho importante falar; fiquei contente com a muito boa afluência e interesse do público em geral. Adorei o Funchal e só não consegui mesmo foi encontrar as nozes de Macadâmia.

4/12/2016

História Universal da Pulhice Humana


HISTÓRIA UNIVERSAL DA PULHICE HUMANA, Vilhena
E-Primatur, 17,90€
Editor: Hugo Xavier
Capa: José Vilhena / Design: Paper Talk
Produção: Papelmunde

Às coisas que são boas convém não mudar, para não estragar. Foi assim que se re-publicou a “História Universal da Pulhice Humana – edição completa, integral e nunca censurada dos três volume originais: Pré-história / O Egipto / Os Judeus”. Versão facsimilada, procurou manter a mancha e layout originais dos livros ilustrados, incluindo uma mesma opção similar de papel, com aquele contraste e sujidade típicos, mas obtendo uma qualidade surpreendente em termos de opacidade.

De um ponto de vista editorial, nada há a registar, pois a obra surge-nos como Vilhena a pôs no mundo, sendo de apreciar o cuidado da E-Primatur com as guardas ilustradas e o facto de ter optado por coligir a obra em cartonado com transfil e fitilho, algo inesperado numa obra de Vilhena, mas que calculo que o próprio teria gostado de fazer, se assim lhe tivesse sido permitido.

Pessoalmente gostaria que a autobiografia, a introdução e as folhas de rosto tivessem mantido uma linha gráfica similar ao resto do livro, optando-se pela mesma fonte, apesar de compreender que a editora terá pretendido manter o seu registo habitual e fazer a diferença entre facsímile e conteúdos novos de forma clara e inteligível.

A produção não tem problemas a registar, excepto um ligeiríssimo desacerto na guilhotinagem da guarda (algo que deverá apenas ocorrer em alguns dos livros), o que é mesmo uma coisa de picuinhas e não interessa a ninguém.

Acima de tudo, este livro presta um serviço público a uma das mais interessantes personagens do século XX português, um autor, ilustrador, e editor com todas as letras a que tem direito, que influenciou toda uma estética de humor e de ilustração e que vê, neste livro, uma muito, mas mesmo muito justa homenagem.

Deixo igualmente a nota que esta é uma crítica especial. Desde logo porque critico uma obra de um colega não só de profissão, mas também de blog, o que fará com que ele possa ir lá apagar o post caso não goste, para além de me colocar a jeito para vir ele criticar os meus.

Nuno Seabra Lopes, editor e consultor editorial