12/03/2013

Morreu André Schiffrin


Morreu ontem um dos mais importantes pensadores da edição moderna, André Schiffrin.

Filho de um famoso editor e ele mesmo também editor por mais de 50 anos, foi também autor de obras tão importantes como «O Negócio dos Livros», e «A Edição sem Editores».

Sempre ligado aos movimentos socialistas americanos, tornou-se num dos mais contundentes críticos do resultado do processo de concentração editorial, em particular pela forma como os objetivos das novas estruturas empresariais não se coadunavam com o funcionamento do negócio do livro.

Para saber mais o melhor não é ir à wikipédia, mas sim ler as suas obras, algumas delas disponíveis em Portugal, em particular a recente edição de uma das suas obras fundamentais, pela Letra Livre.

11/29/2013

Dia dos Livreiros

É só para recordar que amanhã é o Dia dos Livreiros.

Não só deverão aproveitar todas as acções que irão decorrer nas livrarias participantes, onde destaco a Culsete, em Setúbal, como fazer deste o dia principal para começarem a pensar nas prendas de Natal.

E sim, há livrarias, e muito boas, para além da publicidade da Bertrand.

Entretanto, sigam os textos que estão a ser publicados diariamente no Orgia Literária, dedicado ao livreiros e às livrarias.

NSL

11/20/2013

Torres de Leitura


Há muito que as escolas se tornaram elementos fundamentais na promoção da leitura nas mais diversas vertentes. E são já muitas as escolas que fazem convite a autores para participarem em «conversas» e «leituras» das suas obras, que organizam feiras do livro e outras atividades que promovem a compra e leitura de livros, mas desta vez, em Torres Vedras, vemos uma iniciativa que dá uma passo mais ambicioso e promove um evento de uma semana em torno da leitura.

As Torres de Leitura irão realizar-se de 25 a 30 de Novembro na Escola Secundária Henriques Nogueira, em Torres Vedras. Durante uma semana a escola e comunidade local vão viver em torno dos livros, dos seus autores e de todas as leituras que eles nos ensinam a fazer. Apresentações, conversas, teatro, e a presença de gente da escrita, da banda desenhada, das artes plásticas, do graffiti, do desporto e do cinema, e onde haverá também exposições e muita, muita animação.

Esta é uma iniciativa de João Morales e da Livrododia, e do Agrupamento de Escolas Henriques Nogueira.

11/15/2013

Congresso Internacional Surrealismo(s) em Portugal

Quadro de Artur do Cruzeiro Seixas

De 18 a 22 de Novembro de 2013, na Fundação Calouste Gulbenkian, na Casa da Liberdade - Mário Cesariny e o Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, irá decorrer o Congresso  Internacional Surrealismo(s) em Portugal.

O Congresso tem lugar aquando dos nos 60 anos da morte de António Maria Lisboa, e conta com a participação dos principais estudiosos do Surrealismo português e alguns dos principais poetas e artistas portugueses.

O evento contará também com uma homenagem a Artur do Cruzeiro Seixas e conta com a presença do autor.

A inscrição é de 20 euros - mas tem acesso facilitado ao público no caso de haver lugares - e poderá ser feito através do email: congresso.surrealismo@outlook.com


11/14/2013

DIA DA LIVRARIA E DO LIVREIRO

Sérgio Letria, diretor da Fundação José Saramago, a apresentar o parceria aquando do Encontro Livreiro, na Culsete, em Setúbal

No próximo dia 30 de Novembro vai-se festejar o Dia da Livraria e do Livreiro.

Depois de, no ano passado, ter sido assinalada a primeira edição do Dia das Livrarias, inspirada por ventos vindos do país vizinho e assinalando o aniversário da morte de Fernando Pessoa e de Fernando Assis Pacheco, a Fundação José Saramago e o movimento Encontro-Livreiro estabeleceram uma parceria que passará a assumir a organização e a dinamização do a partir de agora designado Dia da Livraria e do Livreiro, tornando-o mais abrangente e destacando sobretudo o lugar central que o livreiro ocupa no percurso do livro e na promoção da leitura.

O Dia da Livraria e do Livreiro é um dia de Festa! Festa da livraria! Festa do livreiro! Festa do leitor!

O leitor é o convidado de honra e quem verdadeiramente justifica a livraria e o livreiro e garante, não só o futuro do livro e das gentes do livro, mas também o progresso, esclarecido e em liberdade, do(s) país(es).

O Encontro-Livreiro e a Fundação José Saramago fazem o apelo a que todas as livrarias, que queiram fazer deste dia o seu dia de festa, comecem, desde já, a preparar uma iniciativa especial para assinalar a data.

Apelam também a todos os leitores que, nas suas agendas, assinalem o dia 30 de Novembro como um dia de visita a, pelo menos, uma livraria, associando-se à festa do(s) seu(s) livreiro(s).

11/06/2013

Plataformas de submissão de originais – o LitFactor


Aquilo que um candidato a autor publicado mais receia é que o seu original seja ignorado entre os outros que todos os dias inundam editoras e agentes literários. A coisa que os agentes literários e as editoras mais detestam é receber originais que não têm nada que ver com a sua linha editorial. Surge então a pertinência de uma nova plataforma digital que pretende facilitar todo este processo de conectar autores com os agentes certos – o litFactor.

A ideia é interessante e o sistema parece simples: basta o autor registar-se e começar a procurar. Se não tiver qualquer conhecimento sobre agências, pode procurar por tema, como por exemplo ficção, não-ficção, fantasia, infantil. Surge então uma lista de todas as agências que trabalham com livros de determinado género e que estão a aceitar submissões. Depois basta adicionar as agências aos seus favoritos, consultar os requisitos para envio de originais, fazer o upload da carta de apresentação e dos primeiros capítulos da obra ou a obra inteira, enviar e aguardar. Qualquer comunicação é sempre feita através do alerta de mensagens do perfil do escritor que tem possibilidade de partilhar a sua experiência com uma comunidade e de consultar uma página com recursos para escritores.

Existe um top de agentes e daqueles que estão mais ativos, ou seja, que dão mais respostas, suponho eu. Segundo uma sondagem feita no sítio, a média de tempo de espera por uma resposta tem sido de um a três meses, mas há quem seja mais célere e responda numa questão de semanas, porém o mais provável é ter de aguardar mais do que três meses. Creio que para autores que não sejam de língua inglesa, nomeadamente de língua portuguesa, as opções ainda são muito limitadas, se não inexistentes. Por curiosidade, experimentei procurar pela agência portuguesa Bookoffice e não encontrei. Se por outro lado se aventurar a escrever em inglês, pode ser um bom veículo para tentar a internacionalização.

O melhor do avanço da internet é o facto de se criarem estas plataformas, cujo objetivo é pôr alguma ordem no caos e simplificar o acesso a coisas que antes eram inacessíveis. Todavia, pode ser contraproducente, caso a gestão de processos e de expectativas não seja bem feita. Ao mesmo tempo, transforma este tipo de contactos numa espécie de linha de produção fabril, quando se tratam de obras literárias e de escritores, enfim de produção cultural. Será interessante, pois, acompanhar a evolução deste e de outros sítios do género e o impacto que terão no marcado editorial a médio e longo prazo.

Catarina Araújo

10/30/2013

O Teatro do Leitor

Stairs, por Rein Jansma, in Biblioklept

A ausência de uma sequência narrativa nos moldes em que a concebemos para o texto narrativo, com coordenadas espácio-temporais mais aturadas, e de onde emerge a figura mediadora do narrador, distingue o texto de teatro. Neste tipo de texto, as personagens falam, as localizações são anotadas e as indicações cénicas sinalizam a dimensão espectacular. Trata-se de uma história, mas também de uma forma específica de escrita que convida o leitor, desde o início, a sobrepor-lhe um código de representação que não é, sobretudo, textual, antes teatral e cénico. O texto é, assim, instrumento que insufla novas vidas ao palco. A actualização desse outro código induz o leitor, espécie de encenador em primeiríssima mão, a transpor o que está a ler para a dimensão do palco, ainda que, neste primeiro fulgor, imaginado (Pinto, 2009).

É pela imaginação, e não pelas considerações, opiniões, juízos de um narrador, que as falas das personagens se combinam entre si, e com outras acções, resultando na contracena que transforma a condição dos corpos; ao imaginar, o leitor também consegue encarnar, outra vez em primeira mão, cada conjunto de falas que, na sua integralidade, se equivale a uma voz identitária, que mesmo na página plana demarca um percurso pela cena; o cenário envolve a intriga, avivando-se a cada momento decisivo da acção, num grau superior ao que muitas vezes acontece no teatro contemporâneo, onde, frequentemente, o elenco, ou seja, o conjunto de todas as personagens, subalterniza a informação de cariz espácio-temporal, atendendo à limitada capacidade de processamento do espectador. Pela página, embora o leitor também não esteja isento de restrições de processamento (Stanovich, 2000), personagens e informação espácio-temporal nivelam-se mais, em face do esforço convergente da imaginação interpretativa.

Como é que estas particularidades do texto de teatro se podem e devem relacionar, no âmbito da escola, com a competência interpretativa dos alunos é matéria que deve ser objecto de cogitação, pelo que acrescenta à educação e à leitura. A seguir à correspondência grafema/fonema, o que de mais fundamental encerra o acto de ler é a competência de fazer corresponder um novo conjunto de sentidos a um objecto de decifração e análise, transformando-o. A maneira como o aluno se exprime acerca de um texto origina o seu duplo, com o qual estabelece relação privilegiada (Iser, 2000).

O texto de teatro, em contraste com o narrativo, apenas sugere uma história, delineia personagens, anota tempo e espaço e exige em troca a proposta de uma intriga cénica exequível. É neste hiato entre o que o texto dá e o que exige do leitor que a imaginação, seleccionando e verificando pistas de sentido, tal qual detective ensimesmado, consegue assegurar um contínuo de processamento de informação que culmina na emergência de uma interpretação. A tríade “texto, imaginação, interpretação” é fundamental para o sustento anímico do leitor, e do aluno, um leitor em treino regular. Lendo textos de teatro, o aluno desenvolve por via mais directa a destreza mental necessária para se assumir como intérprete, um «solista» que, comunicando-se aos outros, desvenda os meandros do conflito para dizer algo de novo.

Isabel Pinto

Referências bibliográficas
ISER, Wolfgang, The Range of Interpretation, New York, Columbia University Press, 2000.

PINTO, Isabel, Leitura do Texto de Teatro: Teoria, Prática e Análise, Dissertação de Doutoramento na área de Estudos Artísticos, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2009.

STANOVICH, Keith E., Progress in Understanding Reading: Scientific Foundations and New Frontiers, New York, The Guilford Press, 2000.

10/27/2013

iResponsabilidade

Imagem publicada em 'De Rerum Natura' (6/2010)

Vai longe o tempo em que jornais e revistas de referência publicavam suplementos sobre livros e leitura. Nos dias de hoje, para além do desaparecimento desses valiosos suplementos, vamos até assistindo à redução do espaço dedicado à crítica literária e à divulgação de obras de interesse relevante, como também à notícia e informação sobre os eventos que ocorrem com cada vez maior frequência no mundo da edição. Tudo concorrendo para um cada vez mais insignificante fomento dos hábitos de leitura por parte de um sector, a imprensa, que tanta responsabilidade tem e tanto tem a beneficiar com o alargamento do número de leitores e a quantidade de livros que são lidos.

Retire-se o espaço «concedido» aquando da realização das Feiras do Livro, aquele que é utilizado quando estala alguma polémica mais ou menos estéril, e aquele outro que é dedicado à edição de livros assinados por figuras mediáticas, e pouco resta na atenção que os periódicos generalistas atribuem ao livro. Com uma excepção: a utilização que dele fazem para ofertas ou vendas a preços marginais de obras produzidas especifica e unicamente para promover as vendas dos respectivos jornais ou revistas, com consequências devastadoras na falsa noção do seu real valor económico e cultural.

Bem pelo contrário, está na moda, é «para a frente», dedicar páginas e páginas aos novos meios de comunicação, ao digital, à internet, e aos gadgets electrónicos; mesmo que se escreva sobre o que apenas se conhece superficialmente e se especule relativamente ao que ainda não passa de algo que só existe no plano do imaginário, ou até sobre o que não vai para além de escolhas pessoais sem interesse público nem fundamentação técnica apropriada.

Não ponho de forma alguma em causa o progresso civilizacional que o digital veio proporcionar, nomeadamente no que respeita à democratização do acesso ao conhecimento e, por essa via, ao desenvolvimento sociocultural dos povos. O que critico e considero verdadeiramente grave, é que, por intenção ou impreparação, se comece a induzir nos jovens, e nos próprios pais, a ideia de que o livro é coisa estranha, algo do passado mesmo que sob a forma digital.

Arrisco-me a ser mais assertivo, e dizer que quando ainda se sabe tão pouco sobre os efeitos que a perda de hábitos de leitura poderá ter no desenvolvimento da inteligência humana, e que o pouco que cientificamente se vai conhecendo aponta no sentido de que a leitura em suporte electrónico está a produzir alterações tendencialmente nefastas na função cerebral, a abordagem que vem ganhando predominância na comunicação social é perigosamente superficial.

Não sendo um tema novo nem minha preocupação recente, a causa próxima deste alerta resulta de artigo publicado em revista semanal de referência e de grande circulação. No «iCrianças», título do artigo em causa, são sumariadas as tendências para o uso e abuso de equipamentos e brinquedos digitais por parte de jovens, desde as mais tenras idades, e são elencadas algumas boas práticas que os pais devem seguir para orientar e controlar a sua utilização. Quanto a esta componente nada teria a apontar, até pelo alerta que também é feito para os aspectos nocivos da utilização exclusiva e excessiva dos gadgets electrónicos, não fora o total esquecimento a que o livro é vetado quando se fala em formas mais adequadas de ocupação dos tempos livres.

Porém, tudo se torna verdadeiramente problemático quando, por exemplo, o artigo refere, sem crítica, a atitude de pais que para uma criança de 3 anos assumem ser adequado ficar dez minutos a jogar com gadgets electrónicos antes de dormir. Ou, ainda mais perturbadoras, as referências a projectos escolares que defendem a predominância do ensino suportado no apoio digital, mencionando afirmações como: “E as hipóteses são quase infinitas – existem mais de 40.000 aplicações da Apple [!!!] na área do ensino” ou “Não é necessário que a aprendizagem seja 100% digital, mas privilegia-se essa via”.

Por tudo isto, reclamo que no que respeita ao mundo digital e à sua relação com a palavra escrita, a imprensa em particular e os restantes meios de comunicação em geral, estejam bem atentos à sua… iResponsabilidade.

Rui Beja

10/23/2013

Manuel Medeiros

Depois de Ilídio de Matos é com amargura que anunciamos a morte de Manuel Medeiros, fazendo este o mais malogrado outono dos últimos anos.

Manuel Medeiros (1936-2013) morreu esta madrugada, pelas 6h10, na sua cidade de adopção, Setúbal.

O Edição Exclusiva queria deixar a sua homenagem ao Livreiro Velho e deixar o mais profundo voto de pesar a toda à sua família, em particular à Fátima e ao filho Nuno Medeiros, colaborador deste blogue.

Resta-nos agradecer as iniciativas e força de vontade deste homem dos livros que deixa, acima de tudo, um exemplo que devemos seguir e homenagear.

10/17/2013

Críticas de sábado à tarde

Fonte: procurei e não encontrei... Quem souber que me indique

No passado fim-de-semana surgiu, em vários facebooks da comunidade ligada aos livros, uma enorme controvérsia causada pelos textos publicados no suplemento Atual, do Expresso, onde, a grosso modo, se fazia a lista dos autores sub- e sobrevalorizados. No entanto, a controvérsia não surgiu tanto em torno das escolhas, mas sim em torno da legitimidade da crítica em tecer tais opiniões.

Argumentava-se a questão da autoridade, referindo-se o facto de alguns críticos serem também escritores, além de acusações de parcialidade ou de fazerem a avaliação para-literária do caráter dos autores.

Controvérsias à parte, vivemos numa fase complicada em termos de mediação. A desvalorização dos críticos, editores, professores, pais, etc., em detrimento da valorização excessiva de meios de popularidade tem levado à perda da opinião com valor, feita por quem sabe mais e melhor do que nós sobre determinado assunto (independentemente de estar correto ou concordarmos com ele). A desvalorização da crítica atual é feita à semelhança da desvalorização de toda a restante mediação, acusando-a da incapacidade de entenderem o que «os leitores» gostam, ou o mercado quer, de ter uma visão que, ao invés de ser vista como mais desenvolvida do que a nossa, é vista como elitista, e tendo objetivos diversos por detrás.

Preconceitos, boatos, acusações de falta de caráter feitos a torto e a direito, abrangendo todos os críticos que tenham a leviandade de criticar. Que os há mais desonestos, provavelmente, como em todo o lado, mas a utilização desse argumentário leva somente à destruição da autoridade de um elo importantíssimo da cadeia do livro: a mediação literária. Quanto mais complexo e indistinto for o campo de ação, quanto mais assente em gostos e opiniões, mais necessária é a opinião esclarecida de forma a fornecer uma série de indícios que nos permitam desenvolver a nossa própria visão crítica da obra.

Que a crítica quase morreu todos sabemos. Que até as faculdades temem fazê-la, também, quanto mais a imprensa, sempre ocupada em cumprir calendários de divulgação de atualidades do comércio livreiro, sujeitos a pressões laborais tremendas e sem espaço e tempo para desenvolver a arte da crítica. Mas apesar de a qualidade não ser a mesma do tempo do João Gaspar Simões, não significa que não devamos respeitar a crítica que ainda existe. Apesar de tudo, não sendo extraordinária, sempre sabe um pouco mais do que a generalidade das pessoas sobre aquele assunto.

Vivemos num tempo onde todos dão opinião e ninguém a ouve. Vivemos num tempo cacofónico onde poucos conseguem reconhecer a qualidade de uma opinião, e onde a popularidade ou a capacidade de expressão para as massas é mais importante na avaliação de uma opinião, do que o conhecimento ou a pertinência. As crianças já não respeitam os professores, por que na Internet dizem outra coisa, e já não respeitam os pais porque nos Morangos com Açúcar eles fazem de outra forma, também já não ligam às opiniões dos bibliotecários porque no Facebook disseram que fixe, fixe, era o autor X, e acusam os pais de parcialidade, de só pensarem neles; os professores de serem preguiçosos e ignorantes, de não perceberem nada de nada, etc.

Independentemente de concordar ou não com o que a crítica diz – existe uma hierarquia de credibilidade e alguma capacidade crítica nossa –, respeito-a e espero que a mesma seja isenta e honesta, mesmo quando feita por alguém que tem outras funções na vida (nomeadamente a escrita), e tento perceber se a opinião de caráter é, para mim, fundamental na apreciação da obra (são diferentes teorias da crítica; a título de exemplo, é totalmente diferente ler Kafka antes e depois das recentes biografias, que o apresentam como um homem satírico, que lia os seus textos aos amigos acompanhados de fortes gargalhadas). Que os escritores e seus seguidores fiquem chateados também é perfeitamente legítimo, mas não o é desrespeitarem a opinião válida só por ela lhes ser contrária. Se não gostam nem concordam, é humano.

Neste mercado em que o escritor virou figura pública, onde a imagem, a juventude, a novidade e a capacidade de intervir são fundamentais, a escrita passou para um plano secundário, e o que conta é a popularidade do autor; logo, a sua capacidade de convencer mais gente a ler a obra.

Contrariamente ao que se julga a popularidade não traz legitimidade que os coloque acima da crítica. E a massa de leitores sabe somente na sua própria mediana medida, assim como o mercado só sabe na medida do retorno dos produtos. Uma avaliação literária não é uma avaliação comercial nem indica ser aquela uma boa aposta de aceitação pela generalidade do público, quanto mais nossa, mas dá indicações se o que o escritor traz é novo, se tem qualidades técnicas, voz própria, se nos faz evoluir em termos humanos. E é importante a crítica dar indícios que permitam diferenciar a qualidade da popularidade. Pessoalmente só tenho de agradecer por, de entre todos aqueles textos, ter havidos alguns que me fizeram pensar.

Nuno Seabra Lopes

A edição política e o 25 de Abril: Ação editorial e engajamento

É já na próxima segunda feira, dia 21 de outubro de 2013, às 19:00 horas na Biblioteca-Museu República e Resistência – Grandella, na Estrada de Benfica, 419, em Lisboa que irá ser apresentada a tese de Doutoramento de Flamarion Manués, investigador do Instituto de História Contemporânea/FCSH/UNL e doutorado em História pela Universidade de São Paulo, no Brasil.

O autor tem estado em Portugal nos últimos anos a fazer o levantamento das editoras políticas que surgiram no período do Marcelismo e pós 25 de Abril, tendo já organizado anteriormente uma série de encontros muito interessantes com editores dessa época.

Para todos aqueles que se interessam pela história da edição em Portugal esta é uma oportunidade rara.

10/14/2013

Todos os livros por apenas x euros por mês


Num artigo que escrevi sobre o futuro da leitura num mundo digital, mencionei a possibilidade de se poder pagar uma subscrição mensal numa plataforma e assim ter acesso a histórias publicadas por capítulos, a contos e também poesia. Existem pois já vários sítios que permitem fazer essa subscrição mensal, mas de ebooks. Todos os ebooks por x euros por mês.

O primeiro desses sítios é o Oysterbooks. Por apenas $9,95/mês (7,32 € mais ou menos), tem-se acesso ilimitado a cerca de 100 000 títulos, segundo os criadores da plataforma, que por enquanto só está disponível para iPhone e iPod Touch. Ainda está em fase beta e para aceder é preciso convite.

Um sítio que também está em fase beta é o eReatah com diferentes planos disponíveis para quem pretende ter acesso a dois, três ou quatro livros por mês. A diferença em relação ao Oysterbooks é que dá para outros dispositivos eletrónicos, como tablets e computadores, desde que tenham Android ou iOS. O eReatah oferece também um serviço que ajuda o leitor a escolher o livro a ler a seguir, com base nos livros lidos anteriormente e nos seus temas favoritos.

Outro sítio é o Scribd, uma plataforma que já permitia partilhar todo o tipo textos criativos e técnicos e até revistas e que agora também se aventura na subscrição mensal de ebooks. Aqui o preço é ligeiramente mais baixo – $8,99 (6,62 €).

A ideia de se ter acesso a milhares de livros por um valor mensal, como quem paga um serviço de televisão, telefone e internet é bastante apelativa, e o sucesso de uma destas plataformas poderá ser o rastilho para a explosão deste novo tipo de serviço de compra e leitura de ebooks. Em todo o caso, o sucesso destes sítios está dependente de diversos fatores: o crescimento da venda de ebooks, a adesão das editoras, a diversificação do acesso através de outros dispositivos para além dos telemóveis e dos tablets, entre outros.

Perante este novo cenário, nascem também muitas dúvidas. A questão já se colocava com o DRM e agora poderá tornar-se ainda mais significativa, dado que neste serviço o leitor não é proprietário dos livros que subscreve, está apenas a alugá-los (exceto no caso do e-Reatah, segundo os seus criadores). Além disso, que vantagens terão estes novos serviços para os autores? Como lhes serão pagos os direitos de autor? E significará isto o anunciado fim do livro em papel? A ver vamos.

Catarina Araújo

10/11/2013

Fomento à Leitura, uma avaliação de práticas


Numa altura em que o desinvestimento público nas práticas de fomento à Leitura são cada vez mais discurso vazio de acção é interessante olhar para as apresentações do Filipe Leal sobre dois dos mais emblemáticos projetos existente em Portugal.

Para ver a apresentação «Plano Nacional de Leitura - Discursos e Práticas», apresentada no 11º Encontro ETerna Biblioteca, realizado a 13 e 14 de Setembro de 2013 em Sintra. Sob o título PNL: discursos & práticas e onde é estabelecida uma comparação entre os discursos proferidos na comunicação social por alguns fazedores de opinião aquando do lançamento do PNL (Junho de 2006) e as boas práticas e resultados identificados no relatório que o ISCTE produziu no final os cinco primeiros anos do PNL (Julho de 2011), carregar aqui.

Para ver a apresentação «Programa Oeiras a Ler – Balanço & Desafios», apresentada a 25 de Setembro de 2013, no I Seminário Internacional do Programa «Quem Lê Sabe Por Quê», e promovido pela Prefeitura de São Paulo, Secretaria de Educação, sob coordenação de Edmir Perrotti. Para discutir o tema «Redes de Leitura: cidade, comunidade e família na apropriação da cultura escrita – experiências e desafios» foram convidados: Max Butlen (França); Sarah Corona Berkin (México); Maria Beatriz Medina (Venezuela); Silvia Castrillón (Colômbia); Edmir Perrotti (Brasil); Filipe Leal (Portugal), carregar aqui.

10/08/2013

Os Livreiros e o Seu Património

Foto histórica dos livreiros que ainda hoje se situam junto ao Sena, em Paris.

É já no próximo dia 22 de Outubro de 2013, 3.ª feira, às 18h15, na Biblioteca Municipal Camões − Largo do Calhariz, 17 – 2.º esq.º (junto ao Elevador da Bica, Lisboa)− que irá acontecer o 1.º Encontro «Os livreiros e o seu património».

O evento visa contribuir para a preservação e divulgação da memória e património dos livreiros e da edição portuguesa do período contemporâneo, e conta com a participação de Fátima Ribeiro de Medeiros (docente e investigadora de literatura, mediadora e animadora de leitura na Livraria Culsete, Setúbal) e Pedro Oliveira (livreiro e alfarrabista, ex-livreiro da Livraria Sá da Costa).

Luís Bernardo (subdirector do Centro de História da Cultura) apresentará número da revista Cultura com dossiê sobre a edição e o seu património.

10/07/2013

Os Editores Não se Abatem


Vai ser apresentado o segundo volume da colecção «Protagonistas da Edição», da autoria da crítica literária e jornalista Sara Figueiredo Costa e com edição da Booktailors - consultores editoriais.

Esta colecção, composta por longas entrevistas atuais a indivíduos que marcaram o campo editorial da edição em Portugal, segue na esteira dos editores de relevo e, após uma abertura solene com o histórico Fernando Guedes, desenvolve com o testemunho de Carlos da Veiga Ferreira, um editor marcante na edição de literatura estrangeira de qualidade à frente da Editorial Teorema e, atualmente, na jovem chancela Teodolito.

O título, em referência ao clássico negro americano de Horace Maccoy, remete para o episódio da saída litigiosa do Grupo Leya, quando o editor se revoltou com a falta de importância que a direção atribuía às competências e experiência dos editores.

Na expectativa de que este e outros episódios sejam abordados nesta obra, em particular o período de cisão editorial da passagem do milénio que originou a, atualmente extinta, União de Editores Portugueses, iremos estar atentos ao lançamento deste livro, em particular pela proverbial coragem de Carlos da Veiga Ferreira em dizer tudo aquilo que sabe e pensa, que tornará este um livro interessante para quem gosta da «história privada» do mundo editorial.

10/03/2013

Da expansão comercial do português

Fonte: obuscar.com

Chega-nos a notícia que o rio atlântico (tal como diz Onésimo Teotónio de Almeida) está cada vez mais estreito.

O trabalho não chega por uma empresa portuguesa ou brasileira, mas pelas mãos da maior empresa editorial do mundo, a Penguin/Random House que passou a representar e a distribuir em Portugal, Espanha e Itália algumas das mais importantes marcas de editoras do nosso muito grande irmão Brasil.

Entre as editoras, refira-se o catálogo completo dos grupos Companhia das Letras,  Elsevier e Ediouro e Pensamento, para além das gigantes Madras e L&PM (de onde se destaca os livros de manga da Shogakukan ainda por explorar devidamente em Portugal e que esperamos que possam viajar até cá).

Não se trata de um serviço de importação, tal como a Dinalivro o faz, e bem, há muitos anos, mas de distribuição dessas editoras cá.

9/18/2013

Ilídio de Matos †


Quem me conhece sabe que sou avesso a velórios, como se nos tivéssemos enganado na morada e ido visitar alguém aonde ele não está. Da mesma forma sou avesso a obituários ou elogios fúnebres. Mas não sou avesso às pessoas, e tenho-lhes muitas vezes uma dívida de gratidão que só a consigo pagar expressando aquilo que eles, em vida, foram.


Ilídio de Matos era um homem singular. Com a cordialidade dos tempos em que trabalhou para os organismos sérios e cinzentos do Estado, tinha também a jovialidade de um homem vivido e habituado a lidar com os editores-sem-email-e-telemóvel. Ou seja, dos tempos em que a relação era verdadeiramente próxima e não só composta por uns sorrisos numas festas de fim-de-tarde no pavilhão A, um copo no Frankfurter Hof, umas fotos do «pet» enviados por email. Homem habituado à relação pessoal, aos círculos pequenos onde todos se conhecem, representava não só editoras de vários países, mas também um modo de ser que a cada ano que passa definitivamente se faz delete. Tem a certeza? Sim. E assim vamos.

Se por um lado era visível que o Ilídio estava já bastante idoso. Por outro lado, e apesar de ter envelhecido rapidamente nos últimos anos, ainda era um homem cheio de vivacidade e de histórias para contar. Um repositório da memória que falta a um setor que só regista memórias de outras coisas mas não de si. E tinha também a vantagem adicional de morar a 50 metros de mim, e de me permitir que cerca de uma vez por ano pudesse almoçar com ele no restaurante da vizinhança.

Mas este ano já sei que não haverá almoço (sim, eu sei que esta é uma metáfora pirosa que muitos utilizam como forma de criar empatia..., mas faz sentido, para mim). E sei também que muitas das histórias que ele não contou acabaram de desaparecer, que chegamos a meio do livro e o texto impresso se esvaneceu, que tudo acabou sem que tivéssemos a oportunidade de saber um fim. E os leitores sabem da aflição que isso cria a quem tem o vício do texto, e a quem tem o vício das pessoas.

Que as histórias te sejam leves, Ilídio.

Nuno Seabra Lopes

9/04/2013

Como um gestor a olhar para um livro


Em conversa com o meu amigo e editor Vasco Silva referíamos a dificuldade que a gestão corrente tem em perceber as particularidades da gestão cultural, mormente editorial. Para quem trabalha no setor há algum tempo isso parece óbvio, mas para a maioria das pessoas essa afirmação é de tal forma abstrata que me parece necessário explicitá-la.

Como em tudo, é somente uma questão de valor. Mais propriamente uma questão de equilíbrio entre valores tangíveis e intangíveis. Trabalha-se com um produto de experiência, cuja apreensão de valor, vantagens de usufruto e satisfação dependem de mais variáveis do que a de um refrigerante ou outro objeto de grande consumo.

E quando falo de valores intangíveis, refiro-me ao que é imaterial – pouco metal sonante – mas que se transforma em riqueza indiretamente: como o valor de marca, a arquitetura e reputação empresarial (junto de fornecedores, clientes intermédios, etc.), por exemplo. Se o investimento for só no próximo produto, que deverá em 1 ou 2 anos ter um retorno de X , não se estará a acrescentar nada à empresa para além do tão necessário capital financeiro.

Não julguemos que o dinheiro compra tudo: aqui não compra. Porque só com um catálogo bem feito e pensado se conseguem obter determinadas vantagens no mercado, como a reputação e a «boa vontade» suficiente para obter críticas jornalísticas favoráveis, obter o hands-on know-how e as patentes que nos irão posicionar na frente do mercado especializado, ter a marca que todas as cadeias de livraria necessitam de ter por exigência de reputação do cliente, as parcerias necessárias para diluir custos de investimento, a arquitetura relacional para conseguir fazer ou comprar este ou aquele produto mais rentável, ou até os activos estratégicos que permitirão vender a empresa um qualquer grupo nacional ou internacional (que o diga a Assírio & Alvim, a Sextante, a Dom Quixote, a Caminho, a Teorema e tantas outras editoras que acabaram por ser compradas pelos Grupos Editoriais portugueses pelo seu catálogo e valor de marca).
Se tudo isso soa a dinheiro, infelizmente soa também a «médio e a longo prazo».

O equilíbrio é, então, necessário. Devemos conhecer o nosso mercado para saber até onde podemos investir no futuro da empresa, e até onde conseguimos de rentabilizar o capital investido com resultados a mais curto prazo. O dinheiro é preciso, mas o futuro também, e um gestor não cultural não está muito habituado a pensar em prazos alargados, não se conforma com a necessidade de investir em intangíveis quando tem tantas dívidas para pagar e pensa que, com dinheiro, tudo se resolve, como acontece muitas vezes nos produtos de grande consumo.

E depois, cada mercado editorial tem equilíbrios diferentes, trabalhando para públicos com exigências diferenciadas. Quem trabalha em poesia, em ensaio universitário ou no livro escolar sabe que não pode brincar com os intangíveis, quem aposta em cavalos mais comerciais, para públicos menos atentos e mais impulsivos, intangível é uma «coisa que não lhes assiste».

O problema do gestor comercial que trabalha com produtos culturais é que necessita de tempo e de abertura de espírito para passar a saber em que é que deve apostar e quanto para conseguir ganhar este jogo. Em edição, como em tudo, o futuro também depende do próximo produto, mas, paradoxalmente, dependerá ainda mais do passado: da marca e do fundo editorial perene que, bem geridos, se vão tornando no capital mais importante e que definirá se a editora sobreviverá.

Nuno Seabra Lopes

9/02/2013

Plataformas digitais – NetGalley



Às vezes as ideias surgem com o objetivo de preencher lacunas que à partida não se pensava que existiam, mas quando a ideia é executada e implementada chega-se à conclusão de que de facto fazia falta. Não sei se será o caso do site NetGalley, mas é certamente interessante. O site NetGalley consiste numa plataforma para autores e editores onde estes colocam os livros a serem publicados para que leitores profissionais possam ter acesso a eles meses antes de serem lançados e começarem a fazer as primeiras críticas que depois poderão gerar aquele boca-a-boca tão importante. Os livros são disponibilizados em formato digital para diversas plataformas, desde o Kindle ao iPad, ao kobo e ao Android.

O site apresenta já uma quantidade substancial de títulos disponíveis, dos mais variados géneros, desde a literatura à não-ficção, à saúde e à religião. Numa vista de olhos rápida reconhecem-se alguns títulos que já estão a ser alvo de um buzz generalizado, tanto de novos autores, como de autores reconhecidos, sobretudo no chamado Young Adult e Ficção.

Para os leitores com blogues e sites de leitura, é sem dúvida uma oportunidade de ter acesso privilegiado às chamadas ARC’s – Advance Reading Copy’s –, mas em formato digital. Contudo, creio que não será qualquer leitor que poderá ter acesso antecipado a futuros lançamentos – o candidato terá de provar que é um leitor regular, que as suas críticas são coerentes e bem escritas e que o seu blogue/site é muito visitado ou que tem muitos seguidores.

O site está apenas disponível para editoras dos Estados Unidos, do Canadá, do Reino Unido e da Austrália. Penso que não haverá restrições quanto aos leitores desde que leiam e escrevam as críticas em inglês.

Catarina Araújo

8/27/2013

'Amazonificação', Grupos Editoriais e Espírito do Livro

 

O tempo de férias foi propício à reflexão sobre importantes notícias que, mais uma vez, agitam as águas do mundo editorial deixando perceber que estão em curso novas transformações relevantes, e com implicações que não podem deixar de nos inquietar. Para simplificação de raciocínio, centro-me nas informações que vão chegando sobre os movimentos que se registam no universo Amazon, e naqueles que a partir da fusão entre a Penguin e a Random House se perspectivam no domínio dos grandes conglomerados editoriais.

As posições críticas que tenho manifestado relativamente à entrada de empresas tecnológicas (Amazon, Apple, Google) no mercado do livro, nomeadamente ao afirmar que estamos perante “… a intrusão de novos players que, estando no negócio editorial e livreiro, não estão no mercado da cultura…”, estão necessariamente presentes nas minhas apreensões relativamente ao futuro da leitura, independentemente do suporte físico que venha a predominar - impresso ou digital.
Neste contexto, não me surpreendem os artigos e notícias sobre a Amazon que surgiram nas últimas semanas: «New Amazon Patent Seeks to Add “DVD Extras” to eBooks» (artigo de 5/7/2013, publicado por Dean Fetzer em http://litreactor.com/); «Monopoly achieved: An invincible Amazon begins raising prices» (artigo de 8/7/2013, publicado por Alex Shepphard em http://www.mhpbooks.com/); e «Washington Post vendido ao fundador da Amazon» (notícia de 5/8/2013, em http://www.publico.pt).

Tudo se encaixa numa estratégia da Amazon, que oportunamente considerei “…de promoção e liderança da edição digital, que lhe seria bastante mais rentável do que o logisticamente complexo e oneroso comércio electrónico de livros impressos”. No entanto, o bem-sucedido desenvolvimento de conteúdos editoriais próprios e o estabelecimento de parcerias com editores de referência, associado ao encerramento de prestigiadas livrarias independentes e ao desmantelamento de importantes cadeias de livrarias, fazem crer que a Amazon pretende ir mais longe na sua estratégia e constituir-se como temível candidato à liderança do mercado editorial e livreiro, também no domínio do livro impresso.
À luz desta evolução, compreende-se melhor o porquê dos grandes movimentos de concentração iniciados com a fusão Penguin-Random House, à qual, conforme «This is what the publishing industry will look like if the Big Six become the Big Four» (artigo de 20/11/2012, publicado por Zachary M. Seward em http://qz.com/), se poderá seguir a consolidação entre os já de si gigantes HarperCollins-Simon & Schuster, e vir mesmo a provocar a reacção da Hachette e uma subsequente passagem a Big Three. As consequências não se limitarão aos efeitos referidos em «The Victims of the Penguin & Random House Merger: Literary Agents» (artigo de 27-11-2012, publicado por Ella Delany em http://www.thedailybeast.com/).

Estamos perante o contra-ataque dos grandes grupos editoriais, legítimo, mas tendente a agravar a já de si desequilibrada relação de poder face aos editores independentes; são também evidentes os riscos de a edição literária sofrer uma ainda maior degradação em favor do predomínio de bestsellers de literatura ligeira, e de a diversificação e pluralidade da oferta se verem substancialmente reduzidas. O cenário apresenta-se pouco risonho. O que não é novidade. Nos cinco séculos de vida da palavra impressa, têm sido muitas as ameaças de sobrevivência consideradas fatais para o futuro do livro e da leitura, incluindo a antevisão feita há uma centena de anos anunciando que… a então aparecida bicicleta ditaria a morte do livro!
Mas o livro tem uma magia especial. Citando Padre António Vieira: “O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive”. E lembrando palavras proferidas por José Saramago em Outubro de 1995: “É do leitor que todos nós dependemos e crise, se houver, é da leitura. Só há crise da leitura se houver crise de curiosidade, se o ser humano se transformar num ser sem essa espécie de «bexiga incómoda» que é a curiosidade que nos vai levar a saber um pouco mais do que aquilo que sabíamos.”

Na conjugação destas duas citações, encontro o ‘espírito do livro’. É aqui que vejo o potencial de resposta aos desafios que antes enunciei. Acredito que a curiosidade humana é inesgotável e a cultura da palavra escrita permanece viva nos leitores, autores, editores e em todos quantos vivem no mundo dos livros. Estou convicto que, nesta guerra sem quartel, sairão vencedores os que melhor interiorizarem a aventura que cada livro constitui. Não forçosamente os maiores, mas os melhores.

Duvido que a ‘amazonificação’ prevaleça, acredito no sucesso de grupos editoriais que integrem e respeitem os valores do livro, e estou convicto que se manterá a importância de editores independentes que tenham arte, e competência, para fazer valer uma relação personalizada com autores de relevo, em simultâneo com critérios editoriais de excelência, chancelas de prestígio, comunicação eficaz, uso apropriado das potencialidades digitais, e partilha efectiva de serviços logístico-administrativos.

8/22/2013

ÓBIDOS: VILA LITERÁRIA



Há pessoas que criticam, pessoas que falam, pessoas que se calam e pessoas que fazem. José Pinho pertence ao último destes lotes.

Desde há muitos anos um dinamizador do conceito de livrarias, tem a experiência e o passado necessário para entender o que pode ou não funcionar, trabalhando com a cautela que o mercado necessita, mas sem o medo que o país exala.

O seu mais recente projeto é sinal disso. Contracorrente (ou talvez não), José Pinho pegou na ideia já antiga (referida por Zita Seabra, há alguns anos) de criar uma livraria na Igreja desativada de Óbidos; mas quis transformar o projeto em outra coisa mais: uma vila literária.

Mas de todas as livrarias, José Pinho optou por uma livraria de fundos em Óbidos.
Uma livraria de fundos em Óbidos? – pensaram todos. Nem em Lisboa existe projeto com esta dimensão e as mais conhecidas tentativas – Byblos – foram disparates de investimento que traziam «Ruína» estampada no lobby.

Se uma livraria de fundos não funcionou em Lisboa, porque funcionará em Óbidos, perguntam? Porque não? A questão da localização é bem mais complexa de definir do que há partida se pode supor. Hay-on-Wye também não faz sentido e, no entanto, é um sucesso. Os fatores que determinam o sucesso não podem ser encontrados só na centralidade dos espaços de venda, mas também no modelo de negócio (e de custos) em que tal for montado. A nova vila literária é um projeto assente em parcerias, assente em animação, assente em tentar fazer coisas num país que parece desligar-se.

Acima de tudo, este é um projeto que merece o apoio. Não pela ousadia (que é bastante), mas pela ação em si que ao invés de ser idílica é somente ousada, por tentar fazer algo que por parecer messiânico mas é, de facto, pensado e pode resultar, tornando-se num exemplo para o resto do país.

E será de louvar que José Pinho contribua para a tentativa real de, na sua pequena dimensão, salvar este país do seu mais cruel destino: a mediocridade.

Nuno Seabra Lopes

8/10/2013

Bibliografia Geral da Edição e do Livro - Actualização

Apenas uma curta nota para informar de uma actualização (mais de 50 títulos acrescentados, ultrapassando já os 400 no total) e correcção de diversos erros na "Bibliografia geral da Edição e do Livro" que podem consultar aqui. Através da página de contactos do site, aceitam-se sugestões, correcções e reparos de vária ordem.


7/19/2013

RIP S.Cos. CCXIII


Dizem que o livro é para todos, mas só alguns fazem dele parte como o dia. Gente que ama, que cuida, que lê, que dá as mãos às capas, gente para quem o pensamento escrito tem a realidade das emoções tácitas, expressas no seio do casal.

Daí que não me venham com tretas e dizer que a Feira é a festa de celebração do livro. Tal como numa família, é no dia-a-dia que a festa se faz, que a relação se constrói; é nos altos e baixos, nas conversas e dúvidas, é no pó e na confusão do tempo que temos de gastar. No fundo, é na solidão e na conversa com as personagens, os amigos ou os livreiros que sentimos, de repente, que amamos os livros.

E é nas bibliotecas e nas livrarias que se celebram os livros, é aí que diariamente se comunga o sabor das páginas, as histórias que entretecem e enternecem os leitores; o resto são farturas, fanfarras, sol e passeatas por entre esta coisa gira que todos chamam Livro. No fundo, uma bela tarde de namoro de início de verão.

Daí que me enfurece que se mate uma familiar casa centenária de livros na Garrett, mesmo que outra nasça para aplacar; jovem e bendita em local impossível de amar, local de passagem, flirt de aeroporto, onde em 5 minutos se escolhe um livro que não seja pesado, que dê para despachar num voo de umas horas.

Bem sei que o tempo não está para as famílias, que quem ama não tem tempo para pagar a renda, mas é triste ver perder este mundo palpável que faz de nós humanos, para um tempo fugaz de coisas que nos perdem.

É triste saber que a loja que na Garrett surgirá não será criada durar 10 anos, quando mais 100. É triste saber que os lugares históricos viram só fachada: palácios com franchises dentro e música de elevador. Num mundo de aparência e ilusão nem o espaço da literatura salvam para dar consistência à vida.

Nuno Seabra Lopes

7/05/2013

Inovação


Lobster book, por Robert The

Palavra bonita, sem dúvida, recheada de exemplos interessantes de como a inovação salvou uma empresa, catapultou outra ou mudou um mercado. De facto, a inovação foi e é ainda o euromilhões das empresas, se jogares podes ganhar um prémio incrível mas, a maior parte das vezes, perdes dinheiro.

Não quero com isso condenar a inovação, que é essencial em mercados e produtos em rápida mudança e onde a obsolescência é ponto primordial. Se fizesse telemóveis ou carros sabia que mais importante do que o que hoje vendo é o que tenho amanhã para vender.

E nos livros?

A obsolescência dos livros é complexa de definir. Por um lado, o mercado apoia-se na venda da novidade e dos livros de grande rotação, mas lá porque o livro não vende ou saiu há mais de 6 meses não significa que está obsolescente. Uma nova roupagem, um novo canal e o produto até parece que é novo, aliás, é novo, se o mote não for de atualidade. A inovação no campo editorial também não é relevante, algumas mudanças no tema, um acabamento mais na moda, lacinhos em vez de penas e outras picuinhices que nada significam em termos concretos.

O que é então a inovação no mundo dos livros?

O digital? Claramente o digital irá mudar as regras do jogo, mas só da parte digital do jogo, provavelmente. Será um ramo distinto que irá influenciar as empresas, mas que não irá obrigá-la a modificar por aí além em termos de produto impresso. Ou seja, abre-se um novo campo, com um produto de comportamento distinto e que, para fins deste texto, podemos arrumar numa gaveta autónoma.

Num produto de baixo investimento como o livro impresso, que inovação concreta se pode fazer que não seja extremamente fácil de copiar no dia seguinte? Pior, que inovação tem ocorrido que tenha sido de facto inovadora e tenha mudado o mercado do livro? O livro de bolso, criado há mais de 80 anos?, a categoria da auto-ajuda, com quase 50 anos?

Não sendo um velho do Restelo, acho que o impacto da inovação varia tremendamente de mercado para mercado e para os livros existem coisas mais importantes do que a inovação para se conseguir «ganhar» o leitor. A adequação e a qualidade, por exemplo.

Mas se calhar alguém está a ler este texto e a ter a ideia genial que me fará mudar de opinião rapidamente.

Nuno Seabra Lopes

7/01/2013

A promoção do livro em tempos de crise


Diz-se que estamos em crise há muito tempo. Mas a crise de 2008 veio agravar esse sentimento que deixou de ser apenas um sentimento para se tornar em algo verdadeiramente palpável, com consequências que antes apenas se temiam e entretanto se tornaram realidade.

É pois uma realidade incontornável. Vendem-se menos livros, as distribuidoras entram em falência, as livrarias fecham, as editoras lutam para se manterem num mercado que nos últimos anos parece ter caído nas redes do capitalismo selvagem. A pirataria e o digital não ajudam. Um sem número de novas aplicações para telemóveis e de novas plataformas proliferam sem que as editoras e as livrarias tenham capacidade para acompanhar esse crescimento e usá-las em seu proveito. A crise também não permite grandes investimentos que visem esse objetivo. Recorre-se aos métodos tradicionais para a promoção e venda de livros. Porém, os leitores dispersam-se pelas tais plataformas, pelas redes sociais, pelas aplicações de telemóvel, tornando-se cada vez mais difícil chegar até eles.

Como se consegue atrair a atenção dos leitores com um orçamento limitado e com a multiplicação de espaços virtuais onde é quase obrigatório estar presente? Como conseguir nesta altura que o lançamento de um livro seja um sucesso e que as vendas se prolonguem para além do primeiro mês? Como ganhar a fidelidade dos leitores mantendo uma linha editorial coesa ao mesmo tempo que se enfrenta uma crise?

Estas são perguntas que não têm resposta fácil. Dependerá da estratégia de cada editor ou do livreiro, da sua capacidade para se adaptar aos diferentes desafios que se colocam e, sobretudo, da sua capacidade de inovar e de vender aquilo que não parece à partida vendável por diversos motivos, à falta de um Best-seller. Gostamos de pensar que os bons livros vendem por si ou pelo menos deviam. Todavia, num mercado dominado e regulado pelos Best-sellers, que não são necessariamente bons, os bons livros correm o risco de passar despercebidos, por preconceito dos próprios editores, dos comerciais, dos livreiros. Entre o estalar da crise em 2008 e o rebentar da grande crise de 2011, o sucesso do livro 2666, de Roberto Bolaño, de mais de mil páginas e com um preço a chegar perto dos trinta euros, parece um fenómeno bizarro, mas aconteceu devido a uma estratégia ousada que gerou um buzz de tal forma intenso junto dos leitores que até levou a que fosse um dos livros mais roubados do ano. A paixão dos editores pelo livro e pelo autor transpareceu e colou-se aos leitores. Isto numa altura em que as redes sociais ainda não tinham tanto impacto junto do público, como tem hoje. Ou como já teve, porque nem a mera presença no Facebook ou no Twitter será já tão eficaz.

Um exemplo mais recente que me parece ser de sucesso é a Divina Comédia Editores, lançada há pouco tempo, com grande circunstância e com bom eco na web e na imprensa em geral. Trata-se de uma editora muito ativa, com grande proximidade, e bastante dinâmica tanto na sua autopromoção, como na divulgação dos seus livros. Ficam ainda por confirmar as repercussões para o futuro.

Transformar constrangimentos em oportunidades, contornando orçamentos mais limitados, passará talvez por uma relação de proximidade, com o aproveitamento ainda das redes sociais, não só do Twitter e do Facebook, mas também do Instagram, do Pinterest, entre outros, de uma forma talvez menos rígida e mais aberta, convidando o leitor a conhecer a editora e a sua equipa e a razão pela qual trabalham aqueles livros. Igualmente, a criação de um clube de leitura ou a marcação de apresentações ajudará a criar uma ligação emocional à editora ou à livraria que leve os leitores a conhecer e a confiar mais na sua promoção. Portanto o maior investimento que se pode fazer, num tempo crítico como aquele que atravessamos, será mais ao nível do marketing humano do que propriamente em grandes campanhas que acabam por ter um efeito efémero.

Não existe com certeza uma fórmula mágica, nem um segredo definitivo para se ser mais bem-sucedido num mundo em constante mudança e com os apertos do momento. A única tecnologia com que podemos contar no final das contas é pois com a criatividade de cada um para fazer muito com pouco.

Catarina Araújo

6/28/2013

Texturas em digital

Capa da edição n.º 18

Já é possível ler e subscrever a revista espanhola de edição Texturas em digital.

A revista, quadrimestral, tem um preço de subscrição de 15,00€ (5,00€por número) e pode ser subscrita aqui.

6/26/2013

Fazer livros é brincar com o efémero.

Gianluca Foglia

Não sejamos chatos. Os livros não são eternos e para perdurar nos tempos é necessário que o vento sopre e a areia passe pelo buraco da fechadura. Afinal, nem Homero era Homero... e a gravação na pedra é mais perene do que no papel ou no servidor.

Se pouco ou nada irá ficar para a geologia, que durante os nossos tempos algo fique é ainda assim importante; chegar ao fim do dia, do ano, da respiração e ter a sensação que ainda estamos presentes no mundo, de que algo foi feito para quem cá está – a dádiva egoísta do homem.

E tudo isso para falar de trabalho...
Num mercado literário destruído pelo vício da cópia – não a pirata, mas a económica: a da busca abstrusa pelo best seller com base no que funcionou – perde-se o espaço do livro e da criação.

Publica-se para o sucesso do mês seguinte, procura-se o fenómeno do Top (assim, com maiúscula, para significar) a custo da perenidade, cria-se o livro de que ninguém se lembrará no dia seguinte. Tal como as bandas de uma só música, proliferam hoje autores de um só livro ou coleção que são, para os editores, o sucesso do efémero, a certeza de que este ano as contas estão pagas. No próximo livro as vendas quebraram a um terço e, dentro de 10 anos, ninguém do mercado quererá saber deles, tão focados estaremos no sucesso seguinte.

Matam-se os velhos pelos novos, o potencial pela certeza.

No entanto, toda a gente sabe que um autor faz-se (quase sempre) ao contrário. Começa pela diferença e, pelo seu trabalho, vai convencendo leitores a partir do cerne, mudando-lhes a casca, introduzindo-se ou «infetando», como diz Lobo Antunes.

Gianlucca Foglia não acha ser possível continuar a editar nesta corrida permanente, que a atenção terá de regressar ao autor, aquele que é capaz de manter vendas permanentes e salvaguardar o futuro do livro e da edição. Apostar na certeza lenta, em vez da lotaria que, quase sempre, falha e, no caminho, destrói o mercado.

E eu acho que ele é das únicas pessoas que atualmente está a falar sobre o futuro da edição. O resto são fait-divers digitais.

A propósito das palavras de Gianlucca Foglia, diretor editorial da italiana Feltrinelli, na sessão A edição: passado, presente, que futuro?, organizado pela Fundação José Saramago/ Casa dos Bicos.

Nuno Seabra Lopes

6/24/2013

Encontro com profissionais da edição alemã

No âmbito do Festival Afinidades Electivas, realizar-se-á no próximo sábado, dia 29, de manhã, nas instalações do Goethe-Institut de Lisboa, um encontro com Petra Hardt, diretora do departamento de direitos de autor da Surhkamp/ Insel Verlag, e de Bernd Zabel, do departamento de literatura e apoio à tradução do Goethe-Institut de Munique.


6/19/2013

Gestão da 'mercadoria cultural' livro



Tenho andado a puxar pela cabeça e a tentar recordar quando foi que li The business of the book pela primeira vez. Imagino que tenha sido na época em que frequentava o curso de especialização em técnicas editoriais na FLUL mas não consigo recordar as circunstâncias particulares ou quem mo emprestou na versão inglesa há mais de 10 anos.

Naquela altura o livro serviu-me unicamente para perceber o que acontecia lá fora. Por cá, apesar de já ter havido algumas tentativas e a chegada de alguns capitais estrangeiros, estava ainda para chegar o tempo das concentrações. O livro deu-me, sobretudo, bases de pensamento sobre a edição e aquilo que queria fazer.

Recentemente, tendo saído a primeira tradução portuguesa, de forma tardia mas em termos contextuais, no que ao nosso país concerne, na altura certa, reli o livro na tradução portuguesa e o efeito foi outro. Se quando li o livro pela primeira vez eu tinha ainda uma experiência limitada a alguns meses de assistente editorial, agora tenho uns 13 anos de trabalho como editor quer em pequenas editoras quer num grande grupo, isto para além de ter podido privar ao longo dos anos com profissionais das mais diversas áreas e que trabalham, também eles, em pequenas, médias e grandes editoras e grupos editoriais. O efeito desta leitura foi estonteante.

Ainda antes de falar sobre a questão que quero aqui abordar, fica de novo a recomendação entretanto já muito repetida, da leitura deste livro para qualquer pessoa que queira saber a lógica e os mecanismos que ditam a oferta cultural. Apesar de o livro se centrar na questão do livro (como também os primeiros capítulos do seu mais recente Words & Money, Verso, 2010), é fácil extrapolar essa leitura a quase todas as denominadas indústrias culturais.

Aquilo que quero realçar é sobretudo a análise dos processos de concentração mas sobretudo dos modelos de gestão aplicados a esses grandes grupos.

Nos anos 70, num congresso da UNESCO foi definido que o livro deveria ser considerado como uma “mercadoria cultural”. Esta definição pressupunha um entendimento de que quem gere uma empresa editora tem de ter formação em gestão mas não pode ser um gestor tout court. Tem de ter também uma formação cultural. Aquilo que se procurava transmitir era a necessidade de formação específica para os gestores das indústrias culturais. E que, mais do que em qualquer outra área, deveriam trabalhar nas empresas editoras apenas os gestores com gosto para o produto e com conhecimento específico do mercado.

A. Schiffrin faz em O negócio dos livros uma análise da evolução do mercado americano e em particular dos processos de concentração que o mesmo sofreu ao longo do século XX. As últimas conclusões e as impressões que deixa no final do livro comprova-as, dez anos transactos, nos primeiros capítulos do seu mais recente título (o já referido Words & Money).

Aquilo sobre o que irei falar será uma abordagem muito condensada dessa análise feita por Schiffrin e que, de forma alguma, dispensa a leitura do livro. Não farei grandes paralelos com a situação portuguesa por vários motivos entre os quais estão o facto da diferença na dimensão do mercado, a diferença nos hábitos de consumo e sobretudo do tratamento dado pelos leitores ao livro e a própria natureza diversa entre os grupos/pessoas responsáveis pelos processos de concentração cá e lá. O que me interessa focar é o que se passa no interior das empresas após os processos de concentração, ou seja, os efeitos concretos que os modelos de gestão aplicados produzem, esses sim geralmente semelhantes em qualquer parte do mundo.

Dessa forma o que se segue é um resumo despido de outros dados e simplificado (mas não distorcido) que se centra nesta perspectiva. Por outro lado cumpre frisar novamente que estou a sintetizar o que Schiffrin diz sobre o mercado americano e que apesar de haver linhas gerais que tocam o mercado português (cujos paralelos e diferenças focarei brevemente mais adiante) e outros, nem tudo decorre da mesma forma ou pelos mesmos motivos.

Vejamos então o que nos relata Schiffrin:

Quando uma editora é comprada para integrar (ou formar com outras) um grupo, isso acontece porque essa editora tem uma boa reputação no mercado (independentemente da sua situação financeira). Paralelamente a este motivo só há mais dois possíveis: erro e ou troca de favores.

Ainda assim, a generalidade das editoras adquiridas têm uma saúde financeira suficiente para se ir mantendo. Os editores e gestores das firmas iniciais estão nelas geralmente por gosto (e isto é tão mais verdade quanto mais próxima a empresa estiver dos seus fundadores). Quem trabalha em editoras que são criadas para serem editoras, tem intenções, tem projectos e tem concepções próprias. Não se está nem se vai para a edição para ficar rico. Há muitas áreas em que isso é infinitamente mais fácil. Não, quem vai para uma editora ou quem cria uma editora, fá-lo para fazer a diferença ou, pura e simplesmente, por gosto.

A maior parte das editoras, até como estratégia de sobrevivência, cria linhas editoriais (ou chancelas ou submarcas) para publicar títulos que lhes permitem o encaixe financeiro para publicar aquilo que nas estratégias, projectos, intenções e concepções que definem a identidade de cada editora, é o núcleo identitário da referida editora.

Incorporada num grande grupo, uma editora vê, em primeiro lugar serem-lhe impostos desde logo objectivos anuais de lucro e crescimento (duas coisas diversas)geralmente superiores a 15% (normalmente na mesma proporção dos lucros esperados por outras áreas de negócio dentro dos grandes grupos – no caso dos EUA, das corporações de multimédia). Ora estes objectivos não são possíveis junto do mercado do livro. E não são possíveis porque, na mais optimista das hipóteses, o mercado estará estagnado em termos de número de leitores sendo que o mais provável é que tenda a decrescer.

Por outro lado – então no mercado americano! – o livro digital reduz drásticamente o encaixe financeiro das editoras (nem sequer tocarei na questão da facilidade da pirataria que continua a possibilitar que qualquer e-book esteja geralmente pirateado na internet no máximo 1 mês após a sua publicação). [Schiffrin apenas aborda esta questão ao de leve em Words & Money.]

Os gestores dos grupos adquirentes impõem estas metas (e muitas outras detalhadas no livro) porque ao tomarem conta das contas de uma editora percebem a gestão anterior como caótica e desorganizada [há gestores que mesmo após anos nunca chegam a perceber a mecânica financeira das colocações/vendas/devoluções]. A sua percepção é que com uma gestão linear e “profissional”, aquela empresa que tinha boa reputação e até poderia ter algum lucro, poderá ir bem mais longe. Então se esse crescimento e lucro de pelo menos 15% acontece com outras áreas de negócio em que o grupo está envolvido, porque não também ali?

Claro que aí, a sua análise procura logo e de imediato a rentabilização: essa passa por processos muito “standardizados”:

- Eliminação dos fundos de catálogo (sem terem a percepção que são as vendas regulares de poucos exemplares dessas centenas ou milhares de títulos que garantem o cash flow regular de uma editora e que são esses títulos que definem a identidade da editora)

- Redução do pessoal (para quê ter um editor por área quando há áreas tão próximas? Jardinagem e Culinária não são quase a mesma coisa? Mais uma vez se destrói a identidade das linhas editoriais)

- Centralização de recursos (por exemplo serviço de encomendas. Despersonalizando a relação com o cliente sob o pretexto de o personalizar “melhor”)

- Aquisição de mais editoras (afinal se o número de leitores e portanto a dimensão do mercado não são elásticos e pelo contrário tendem a diminuir e face à perda de identidade da editora a dispersar o seu interesse por outras editoras, a única forma de alcançar os objectivos de crescimento, é a aquisição)

- Aumento do salário dos gestores e directores e criação de bónus por objectivos de vendas (afinal se o número do pessoal é cada vez menor e se se está a exigir a muitas dessas pessoas que produzam resultados que nunca produziram na vida, devem ser remuneradas em função das exigência. Aqui convirá ressalvar que lá como cá, quem trabalha na edição por gosto pouco ou nada recebe. Schiffrin conta como após cada aquisição os directores e gestores passaram a auferir salários equivalentes aos de gestores e directores nas outras empresas do grupo de áreas totalmente diferentes)

- Fixação de objectivos comerciais título a título (os livros já não podem ser publicados em função de uma estratégia: um editor não pode já justificar que está a fazer 3 títulos comerciais para que haja margem de manobra para fazer “aquele” título que vai perder dinheiro – no entanto esses gestores quando questionados sobre que tipo de livros é que a sua editora publica em festas ou eventos sociais e culturais, mencionam sempre os autores de prestígio contra cujas projecções de vendas vociferam nas reuniões de discussão de planos)

- Fixação de metas temporais para a concretização de objectivos financeiros por livro (nenhum livro que não tenha resultaodos positivos num ano é sequer considerado. Reparem agora que tipo de livros é que esta situação elimina à partida:

- Livros cujos custos de produção tornam a primeira edição praticamente não-lucrativa, mesmo que depois se possa estimar que o livro em edições seguintes consiga render milhões
- Qualquer tipo de livros cujas vendas possam mesmo ser excelentes mas cujos resultados estimados de vendas se diluam ao longo dos anos (ou seja não adiantará nada um editor dizer: “este livro é semelhante ao livro Z do nosso catálogo que em 10 anos vendeu 200.000 exemplares” quando a expectativa é que o livro não venda mais do que XXXX exemplares no primeiro ano)
- Novos autores (impossíveis de projectar)
- Novos tipos de livro / novas experiências literárias / obras diferentes de tudo quanto está disponível no mercado (i.e. leia-se, a evolução da literatura; impossíveis de estimar)

Após estes e alguns outros processos-tipo há duas possibilidades para o grupo detentor da empresa:

a) A venda imediata de um concentrado de editoras com um valor de mercado muito superior (mas cujo volume de negócios tende a cair), um grupo de editoras totalmente descaracterizado e com uma estrutura interna a funcionar nos limites da sua capacidade e portanto muito leve

b) A manutenção do concentrado de empresas no grupo o que leva em poucos anos a grandes perdas de valor de mercado porque os factores acima indicados tornam-se demasiado evidentes para o mercado.

E a consequência natural são despedimentos em massa, reformulação dos modelos de organização e dos catálogos com vista a fixarem-se unicamente nos best-sellers.

Claro que um processo semelhante passa-se do outro lado da barricada, nas livrarias. Em conjunto estas evoluções levam à criação de um mercado que se auto-alimenta das ilusões dos gestores e é totalmente cego e surdo aos compradores.   

O mercado resultante destas transformações é um mercado homógeno, com uma oferta homógena que vive de estatísticas tão facilmente pervertidas como isto: se os destaques nas montras e bancadas de destaque das livrarias são sempre para livros to tipo Y que acaba por ter um destaque de mercado percentualmente bem acima de qualquer outro tipo, as estatísticas naturalmente revelam que o público compra mais livros do tipo Y.

Ao fim de toda esta transformação – que é bem mais rápida do que aquilo que as pessoas pensam – o mercado perdeu toda e qualquer diversidade, o grosso de leitores passa a ser “formatado” pela oferta “formatada” e quem lhe resiste tem de se deslocar a livrarias alternativas – que a cada dia desaparecem porque são esmagadas pelas grandes editoras e grandes grupos livreiros – no sentido de comprar livros alternativos.

O resultado a longo curso tem um elevadíssimo peso social: mata-se o público da diversidade e forma-se um público da homogenia e do facilitismo.

André Schiffrin reclama para si e para quem vê como ele estas evoluções do mercado a necessidade de intervir a bem da sociedade. E sobre esse ponto já neste blogue o João Carlos Alvim e eu nos manifestámos.

O caso português poucas diferenças tem no que toca ao modelo de gestão. As diferenças estão em que as livrarias e editoras quando adquiridas, geralmente são-no porque têm péssima saúde financeira derivada de motivos já sobejamente abordados neste blogue. Os grupos adquirentes não são gigantes com investimento em áreas muito diversas (os poucos que existem neste país não querem de todo envolver-se nas indústrias culturais. Fora estas pequenas diferenças e umas poucas mais, em tudo o resto a situação é igual.

Os dados revelados por André Schiffrin neste seu livro bem como em Words & Money levam à constatação que apenas o procedimento a) acima descrito e mesmo aí só nalguns casos, permite que o investidor ganhe dinheiro. Não pela venda ou produção de produtos (livros), de prestígio ou qualquer outro factor; ganha dinheiro comprando e vendendo empresas que entretanto despersonalizou, estripou e vulgarizou.

Schiffrin apresenta algumas propostas de solução em O negócio dos livros como mais tarde em Words & Money, mas, essas sim, são propostas que passam muito pela realidade americana ou pela realidade de países com dimensão de mercado que permite a sua concretização. Mesmo quando aborda a alternativa norueguesa, não podemos pensar na sua aplicabilidade para Portugal porque o grosso da população norueguesa lê regularmente livros o que faz com que, mesmo tendo uma população bastante inferior à portuguesa, a dimensão do seu mercado do livro seja muito maior do que a nossa.

Talvez seja chegada a altura de se começar a discutir as soluções para a edição nosso país e pensar em modelos próprios assentes na obrigação que todos os que trabalham no sector devem sentir, de formar novos leitores. Claro que quem é gestor numa editora mas no mês seguinte pode estar a gerir uma fábrica de condutores eléctricos, não sente a pressão de encontrar soluções. Ainda assim fica, mais uma vez que já o venho afirmando desde há anos, o desafio.

[Por último os parabéns à Letra Livre pela edição do livro. Comprei-o e tenho vindo a recomendar amiúde. Parabéns ao Vítor Silva Tavares pelo excelente prefácio. Aos tradutores por uma tradução quase perfeita, malgrait a habitual confusão entre 'reedição' e 'reimpressão' que torna algumas frases difíceis e um tau-tau na paginação. Se estou a ser rigoroso é porque o livro o merece. Até o Vítor Silva Tavares trocou um 'ó' por um 'oh'. E eu, no texto acima, devo ter-me fartado de dar calinadas. Assim dói a todos.]