9/18/2013

Ilídio de Matos †


Quem me conhece sabe que sou avesso a velórios, como se nos tivéssemos enganado na morada e ido visitar alguém aonde ele não está. Da mesma forma sou avesso a obituários ou elogios fúnebres. Mas não sou avesso às pessoas, e tenho-lhes muitas vezes uma dívida de gratidão que só a consigo pagar expressando aquilo que eles, em vida, foram.


Ilídio de Matos era um homem singular. Com a cordialidade dos tempos em que trabalhou para os organismos sérios e cinzentos do Estado, tinha também a jovialidade de um homem vivido e habituado a lidar com os editores-sem-email-e-telemóvel. Ou seja, dos tempos em que a relação era verdadeiramente próxima e não só composta por uns sorrisos numas festas de fim-de-tarde no pavilhão A, um copo no Frankfurter Hof, umas fotos do «pet» enviados por email. Homem habituado à relação pessoal, aos círculos pequenos onde todos se conhecem, representava não só editoras de vários países, mas também um modo de ser que a cada ano que passa definitivamente se faz delete. Tem a certeza? Sim. E assim vamos.

Se por um lado era visível que o Ilídio estava já bastante idoso. Por outro lado, e apesar de ter envelhecido rapidamente nos últimos anos, ainda era um homem cheio de vivacidade e de histórias para contar. Um repositório da memória que falta a um setor que só regista memórias de outras coisas mas não de si. E tinha também a vantagem adicional de morar a 50 metros de mim, e de me permitir que cerca de uma vez por ano pudesse almoçar com ele no restaurante da vizinhança.

Mas este ano já sei que não haverá almoço (sim, eu sei que esta é uma metáfora pirosa que muitos utilizam como forma de criar empatia..., mas faz sentido, para mim). E sei também que muitas das histórias que ele não contou acabaram de desaparecer, que chegamos a meio do livro e o texto impresso se esvaneceu, que tudo acabou sem que tivéssemos a oportunidade de saber um fim. E os leitores sabem da aflição que isso cria a quem tem o vício do texto, e a quem tem o vício das pessoas.

Que as histórias te sejam leves, Ilídio.

Nuno Seabra Lopes

9/04/2013

Como um gestor a olhar para um livro


Em conversa com o meu amigo e editor Vasco Silva referíamos a dificuldade que a gestão corrente tem em perceber as particularidades da gestão cultural, mormente editorial. Para quem trabalha no setor há algum tempo isso parece óbvio, mas para a maioria das pessoas essa afirmação é de tal forma abstrata que me parece necessário explicitá-la.

Como em tudo, é somente uma questão de valor. Mais propriamente uma questão de equilíbrio entre valores tangíveis e intangíveis. Trabalha-se com um produto de experiência, cuja apreensão de valor, vantagens de usufruto e satisfação dependem de mais variáveis do que a de um refrigerante ou outro objeto de grande consumo.

E quando falo de valores intangíveis, refiro-me ao que é imaterial – pouco metal sonante – mas que se transforma em riqueza indiretamente: como o valor de marca, a arquitetura e reputação empresarial (junto de fornecedores, clientes intermédios, etc.), por exemplo. Se o investimento for só no próximo produto, que deverá em 1 ou 2 anos ter um retorno de X , não se estará a acrescentar nada à empresa para além do tão necessário capital financeiro.

Não julguemos que o dinheiro compra tudo: aqui não compra. Porque só com um catálogo bem feito e pensado se conseguem obter determinadas vantagens no mercado, como a reputação e a «boa vontade» suficiente para obter críticas jornalísticas favoráveis, obter o hands-on know-how e as patentes que nos irão posicionar na frente do mercado especializado, ter a marca que todas as cadeias de livraria necessitam de ter por exigência de reputação do cliente, as parcerias necessárias para diluir custos de investimento, a arquitetura relacional para conseguir fazer ou comprar este ou aquele produto mais rentável, ou até os activos estratégicos que permitirão vender a empresa um qualquer grupo nacional ou internacional (que o diga a Assírio & Alvim, a Sextante, a Dom Quixote, a Caminho, a Teorema e tantas outras editoras que acabaram por ser compradas pelos Grupos Editoriais portugueses pelo seu catálogo e valor de marca).
Se tudo isso soa a dinheiro, infelizmente soa também a «médio e a longo prazo».

O equilíbrio é, então, necessário. Devemos conhecer o nosso mercado para saber até onde podemos investir no futuro da empresa, e até onde conseguimos de rentabilizar o capital investido com resultados a mais curto prazo. O dinheiro é preciso, mas o futuro também, e um gestor não cultural não está muito habituado a pensar em prazos alargados, não se conforma com a necessidade de investir em intangíveis quando tem tantas dívidas para pagar e pensa que, com dinheiro, tudo se resolve, como acontece muitas vezes nos produtos de grande consumo.

E depois, cada mercado editorial tem equilíbrios diferentes, trabalhando para públicos com exigências diferenciadas. Quem trabalha em poesia, em ensaio universitário ou no livro escolar sabe que não pode brincar com os intangíveis, quem aposta em cavalos mais comerciais, para públicos menos atentos e mais impulsivos, intangível é uma «coisa que não lhes assiste».

O problema do gestor comercial que trabalha com produtos culturais é que necessita de tempo e de abertura de espírito para passar a saber em que é que deve apostar e quanto para conseguir ganhar este jogo. Em edição, como em tudo, o futuro também depende do próximo produto, mas, paradoxalmente, dependerá ainda mais do passado: da marca e do fundo editorial perene que, bem geridos, se vão tornando no capital mais importante e que definirá se a editora sobreviverá.

Nuno Seabra Lopes

9/02/2013

Plataformas digitais – NetGalley



Às vezes as ideias surgem com o objetivo de preencher lacunas que à partida não se pensava que existiam, mas quando a ideia é executada e implementada chega-se à conclusão de que de facto fazia falta. Não sei se será o caso do site NetGalley, mas é certamente interessante. O site NetGalley consiste numa plataforma para autores e editores onde estes colocam os livros a serem publicados para que leitores profissionais possam ter acesso a eles meses antes de serem lançados e começarem a fazer as primeiras críticas que depois poderão gerar aquele boca-a-boca tão importante. Os livros são disponibilizados em formato digital para diversas plataformas, desde o Kindle ao iPad, ao kobo e ao Android.

O site apresenta já uma quantidade substancial de títulos disponíveis, dos mais variados géneros, desde a literatura à não-ficção, à saúde e à religião. Numa vista de olhos rápida reconhecem-se alguns títulos que já estão a ser alvo de um buzz generalizado, tanto de novos autores, como de autores reconhecidos, sobretudo no chamado Young Adult e Ficção.

Para os leitores com blogues e sites de leitura, é sem dúvida uma oportunidade de ter acesso privilegiado às chamadas ARC’s – Advance Reading Copy’s –, mas em formato digital. Contudo, creio que não será qualquer leitor que poderá ter acesso antecipado a futuros lançamentos – o candidato terá de provar que é um leitor regular, que as suas críticas são coerentes e bem escritas e que o seu blogue/site é muito visitado ou que tem muitos seguidores.

O site está apenas disponível para editoras dos Estados Unidos, do Canadá, do Reino Unido e da Austrália. Penso que não haverá restrições quanto aos leitores desde que leiam e escrevam as críticas em inglês.

Catarina Araújo