6/26/2013

Fazer livros é brincar com o efémero.

Gianluca Foglia

Não sejamos chatos. Os livros não são eternos e para perdurar nos tempos é necessário que o vento sopre e a areia passe pelo buraco da fechadura. Afinal, nem Homero era Homero... e a gravação na pedra é mais perene do que no papel ou no servidor.

Se pouco ou nada irá ficar para a geologia, que durante os nossos tempos algo fique é ainda assim importante; chegar ao fim do dia, do ano, da respiração e ter a sensação que ainda estamos presentes no mundo, de que algo foi feito para quem cá está – a dádiva egoísta do homem.

E tudo isso para falar de trabalho...
Num mercado literário destruído pelo vício da cópia – não a pirata, mas a económica: a da busca abstrusa pelo best seller com base no que funcionou – perde-se o espaço do livro e da criação.

Publica-se para o sucesso do mês seguinte, procura-se o fenómeno do Top (assim, com maiúscula, para significar) a custo da perenidade, cria-se o livro de que ninguém se lembrará no dia seguinte. Tal como as bandas de uma só música, proliferam hoje autores de um só livro ou coleção que são, para os editores, o sucesso do efémero, a certeza de que este ano as contas estão pagas. No próximo livro as vendas quebraram a um terço e, dentro de 10 anos, ninguém do mercado quererá saber deles, tão focados estaremos no sucesso seguinte.

Matam-se os velhos pelos novos, o potencial pela certeza.

No entanto, toda a gente sabe que um autor faz-se (quase sempre) ao contrário. Começa pela diferença e, pelo seu trabalho, vai convencendo leitores a partir do cerne, mudando-lhes a casca, introduzindo-se ou «infetando», como diz Lobo Antunes.

Gianlucca Foglia não acha ser possível continuar a editar nesta corrida permanente, que a atenção terá de regressar ao autor, aquele que é capaz de manter vendas permanentes e salvaguardar o futuro do livro e da edição. Apostar na certeza lenta, em vez da lotaria que, quase sempre, falha e, no caminho, destrói o mercado.

E eu acho que ele é das únicas pessoas que atualmente está a falar sobre o futuro da edição. O resto são fait-divers digitais.

A propósito das palavras de Gianlucca Foglia, diretor editorial da italiana Feltrinelli, na sessão A edição: passado, presente, que futuro?, organizado pela Fundação José Saramago/ Casa dos Bicos.

Nuno Seabra Lopes

5 comentários:

  1. 1 - 10 anos??

    2 - Quanto a ele ser o único... Não sejamos chatos mas o Schiffrin dizia isso há dez anos, continua a dizê-lo (ainda há pouco tempo num debate na televisão brasileira). E há mais uns quantos. O que falta são modelos alternativos que convençam os "gestores dos números" que mandam nos livros. Ou seja, o editor tem de começar a perceber como apresentar e defender um plano perante os gestores com a linguagem destes.

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  2. Correcto. Era só uma figura de retórica, Hugo. Como ele há vários a dizer isto e outras coisas essenciais para o nosso futuro em folhas.
    Esta questão dos gestores dos números faz lembrar o mar, há sempre ondas que vêm destruir os castelos.
    Na edição, há sempre gestores que olham para o sector e, julgando-se brilhantes, acham que o com boa gestão tudo se resolve. Um paternalismo em relação ao sector que só acaba ao verem que um produto cultural é diferente no comportamento.
    Aquela velha história do schiffrin do gestor (com fotos dele e dos barcos na parede) que entra a dizer que 4% é pouco e no fim do ano terá de ter 15% de EBITDA... mas acaba o ano com 2% e não percebe porque raios perdeu venda.

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  3. (eu estava a ironizar por cima da tua retórica).

    Quanto à história invocada e retirando os quadros por detrás, assisti a histórias muito muito semelhantes. Daí o enorme prazer de ter relido o Schiffrin agora.

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  4. Embora correndo o risco do politicamente incorrecto, não posso, como gestor com formação e alargado percurso profissional “em números” que um dia se viu com a responsabilidade primeira pela gestão da à data maior empresa editorial no nosso país, deixar de referir que a insensibilidade para a gestão do livro como mercadoria cultural não é um exclusivo dos gestores com formação financeira e objectivos de rentabilidade empresarial. Os méritos e os fracassos na relação gestor-editor repartem-se, e há exemplos para todos os gostos.
    Afortunadamente, tive o privilégio de trabalhar com editores – Manuel Dias de Carvalho, António Mega Ferreira, Guilhermina Gomes – que sempre tiveram presente a necessidade de, na globalidade do catálogo em oferta, equilibrar o mérito cultural e o êxito editorial com o sucesso económico. Falo apenas nos casos que posso testemunhar directamente, mas poderia referir muitos outros editores com os quais tive oportunidade de me relacionar e que possuem as mesmas qualidades.
    E gostaria de acrescentar que não é imprescindível que os editores tenham de apresentar os seus planos de acordo com a linguagem dos gestores. Tem, sim, de haver compreensão e sensibilidade mútua para que o plano editorial seja optimizado em todas as suas vertentes. Eu sei que nem sempre acontece, mas nada funcionará bem se cada um se meter nas suas tamanquinhas. Possivelmente penso assim porque tive a oportunidade de pertencer, como escreve Francisco José Viegas no prefácio de À Janela dos Livros, “...a um universo em que o mundo dos gestores de casas editoras nunca esteve separado do mundo dos editores propriamente ditos - nem dos autores, nem dos leitores.”.

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  5. Mas o correcto é isso, caro Rui Beja. Ao gestor compete gerir bem os recursos e garantir que a empresa seja viável e os colaboradores e clientes pessoas felizes.
    A falta de entendimento do que é o livro enquanto produto é que leva a que alguns gestores financeiros fracassem neste sector, pois não entendem que o livro e seus públicos não funcionam exatamente da mesma forma que a muitos outros objetos de consumo. Desde logo não coadunam processos de investimento em produto que não sejam restritos só a um produto, mas sim a linhas ou mesmo catálogos inteiros e que o mesmo pode levar não um ano fiscal, mas se calhar 5 ou mais. Essa noção de criação de públicos é confusa para muitos gestores que só percebem os leitores como consumidores com características adstritas a um determinado perfil de produto e não como seres complexos e individuais num processo de construção cultural.

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