9/04/2013

Como um gestor a olhar para um livro


Em conversa com o meu amigo e editor Vasco Silva referíamos a dificuldade que a gestão corrente tem em perceber as particularidades da gestão cultural, mormente editorial. Para quem trabalha no setor há algum tempo isso parece óbvio, mas para a maioria das pessoas essa afirmação é de tal forma abstrata que me parece necessário explicitá-la.

Como em tudo, é somente uma questão de valor. Mais propriamente uma questão de equilíbrio entre valores tangíveis e intangíveis. Trabalha-se com um produto de experiência, cuja apreensão de valor, vantagens de usufruto e satisfação dependem de mais variáveis do que a de um refrigerante ou outro objeto de grande consumo.

E quando falo de valores intangíveis, refiro-me ao que é imaterial – pouco metal sonante – mas que se transforma em riqueza indiretamente: como o valor de marca, a arquitetura e reputação empresarial (junto de fornecedores, clientes intermédios, etc.), por exemplo. Se o investimento for só no próximo produto, que deverá em 1 ou 2 anos ter um retorno de X , não se estará a acrescentar nada à empresa para além do tão necessário capital financeiro.

Não julguemos que o dinheiro compra tudo: aqui não compra. Porque só com um catálogo bem feito e pensado se conseguem obter determinadas vantagens no mercado, como a reputação e a «boa vontade» suficiente para obter críticas jornalísticas favoráveis, obter o hands-on know-how e as patentes que nos irão posicionar na frente do mercado especializado, ter a marca que todas as cadeias de livraria necessitam de ter por exigência de reputação do cliente, as parcerias necessárias para diluir custos de investimento, a arquitetura relacional para conseguir fazer ou comprar este ou aquele produto mais rentável, ou até os activos estratégicos que permitirão vender a empresa um qualquer grupo nacional ou internacional (que o diga a Assírio & Alvim, a Sextante, a Dom Quixote, a Caminho, a Teorema e tantas outras editoras que acabaram por ser compradas pelos Grupos Editoriais portugueses pelo seu catálogo e valor de marca).
Se tudo isso soa a dinheiro, infelizmente soa também a «médio e a longo prazo».

O equilíbrio é, então, necessário. Devemos conhecer o nosso mercado para saber até onde podemos investir no futuro da empresa, e até onde conseguimos de rentabilizar o capital investido com resultados a mais curto prazo. O dinheiro é preciso, mas o futuro também, e um gestor não cultural não está muito habituado a pensar em prazos alargados, não se conforma com a necessidade de investir em intangíveis quando tem tantas dívidas para pagar e pensa que, com dinheiro, tudo se resolve, como acontece muitas vezes nos produtos de grande consumo.

E depois, cada mercado editorial tem equilíbrios diferentes, trabalhando para públicos com exigências diferenciadas. Quem trabalha em poesia, em ensaio universitário ou no livro escolar sabe que não pode brincar com os intangíveis, quem aposta em cavalos mais comerciais, para públicos menos atentos e mais impulsivos, intangível é uma «coisa que não lhes assiste».

O problema do gestor comercial que trabalha com produtos culturais é que necessita de tempo e de abertura de espírito para passar a saber em que é que deve apostar e quanto para conseguir ganhar este jogo. Em edição, como em tudo, o futuro também depende do próximo produto, mas, paradoxalmente, dependerá ainda mais do passado: da marca e do fundo editorial perene que, bem geridos, se vão tornando no capital mais importante e que definirá se a editora sobreviverá.

Nuno Seabra Lopes

2 comentários:

  1. Concordo substancialmente com o essencial, Nuno.

    Gostaria no entanto de acrescentar algo que tem a ver com a minha formação na área financeira e a minha experiência como gestor global, nomeadamente no domínio da edição.

    É verdade que o mundo editorial tem características muito próprias, que requerem os predicados que menciona, os quais nem sempre são tomados em consideração por aqueles a quem compete exercer funções de gestão.

    No entanto, não se pode deixar de considerar que outras actividades, com outras características, também exigem predicados muito específicos.

    Em conclusão: acho que tem toda a razão nos critérios que enlenca relativamente à gestão de uma editora e, em termos de gestão geral, considero que a diferença se faz pela maior ou menor capacidade de os gestores entenderem o negócio em que estão envolvidos.

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  2. Sim, de facto. Não queria passar essa imagem que nas indústrias culturais é que é preciso saber-se mais. Todas as indústrias têm as sua especificidades e dificuldades e o bom gestor é aquele que mantém a mente aberta e sabe que a (mesma) fórmula aprendida na faculdade não funciona para todos os casos e que é necessário sempre aprender o negócio.

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