11/07/2012

Autor, Autor


Qualquer editor sabe a dívida de gratidão que deve ter em relação aos seus autores. Sejam eles vivos ou mortos, estejam eles diretamente em contacto com os editores ou intermediarizados por agentes ou parceiros (úteis ou não, pois cada caso é um caso), são os autores que fazem com que os livros nasçam e se vendam.

Apesar disso, a relação entre autores e editores (englobando aqui toda a supraestrutura empresarial que se ergue como defesa da relação autor/editor) é complexa e, muitas vezes, mal compreendida pelos intervenientes. O resultado habitual disso é o romper da confiança e o desbaratar de algo tão importante na nossa sociedade: o relacionamento interpessoal.

Senão vejamos; muitas vezes os autores chegam aos editores após um percursos algo atribulado que os reduz à matéria de objetos em análise, algo que se compreenderá numa fase inicial, pois dá-se o processo de seleção (havendo valorização da função de seleção do editor como prescritor primeiro da qualidade mercadológica da obra). Após esse primeiro contacto inicia-se uma «guerra» pela preponderância ora de uma, ora de outra função, num evoluir dialético da relação saudável e natural. Nesse processo a reputação e arquitetura relacional detém uma função primordial na resolução de conflitos. Um reputado editor convencerá os seus autores das necessárias modificações e acatamento de sugestões de modificação das suas obras (independentemente da validade técnica das mesmas).

Habitualmente, e se se der um sucesso pronunciado do autor, com aumento da sua reputação, dá-se o reverso, tal como se explicita com a história atribuída a Érik Orsenna que, após ganhar o prémio Goncourt (1988), se virou para o seu editor das Éd. du Seuil e proibiu-o de, a partir de então, fazer alterações ao texto.

Mas mais do que guerras e disputas no território da escrita – que pouca relevância têm para este debate −, o que importa pensar é na forma como a relação profissional e contratual não segue este percurso natural sendo, a maior parte das vezes, desequilibrada, obscura e desinformada.

Iniciando-se a ação no editor (com o argumento da estrutura e do processo), os contratos são pensados para garantir uma repartição benéfica dos editores e suas estruturas, com imposição de cláusulas abusivas e de salvaguarda unilaterais escritas numa terminologia impossível de perceber para quem não tem experiência ou conhecimentos. Dado fazer-se no início da relação, o autor encontra-se fragilizado na relação e confia, aceita e até, por vezes, agradece o facto de ser «aceite», sujeitando-se às regras impostas.

O resultado para o autor é, quase sempre, a dificuldades na obtenção de informação comercial e a sujeição a barreiras de acesso informacional do percurso do livro. Por outras palavras, afastam-nos, colocam-nos de fora do projeto e distanciam-nos motivacionalmente do resultado do livro. Muitos autores veem os seus livros tornarem-se órfãos da mãe à força, iniciando-se logo ali a pressão do editor para que «produza» mais um livro.

Para além disso, o estabelecimento de expectativas irrealistas iniciais pode também produzir mal-entendidos futuros e, no meio de tudo isso, levar ao forçar da confiança e ao rompimento das relações estabelecidas.

Será isso estranho? Será estranho que um escritor aceite não estar envolvido no processo comercial dos seus livros? Que descubra mais tarde e por carta que os mesmos serão abatidos, exceto se os comprar com avultado desconto, numa tentativa de fazer regressar à casa materna um filho que se revelou pouco «pródigo»? Será suficiente para um escritor receber uma ou duas prestações de contas anuais, que revelam muito genericamente as «vendas», e ainda por cima com «filtros» contabilizando possíveis devoluções? Será a solução de forfait (pagamento integral acertado antes das vendas) ou o avanço uma solução possível numa relação que alguns querem «distanciada» e estão dispostos a pagar à frente por ela?

Quando um livro falha muitas poderão ser as razões, mas, pela distância a que os colocam do mercado, quase sempre os escritores desconhecem os motivos desse falhanço. O facto de ele não participar no processo, leva à desconfiança de que a falha será não tanto do genérico «mercado» − sempre acusado −, mas mais do mercador.

No meio de tudo isto, os editores esquecem-se de que necessitam dos autores. São estes últimos os detentores da relação de confiança com os leitores: são eles os principais motivadores da compra. Depende da sua motivação a continuação da sua escrita e o potencial crescimento que possam ter.

Uma relação honesta, credível, que contemple o autor no destino do livro levará a uma relação duradoura, de aprendizagem constante, onde cada obra que se segue só poderá somar. Uma relação distante e minada de desconfianças, levará à perda de autores para outras editoras e à incapacidade de crescimento ótimo do catálogo tanto do editor, como do autor.

Nuno Seabra Lopes

16 comentários:

  1. Editor, Editor...

    Bem Nuno, perdoa-me a onomatopeia mas, ufff.

    Este foi duro e para além de duro talvez generalize demasiado em vários aspectos, por outro lado deixa de lado alguns "porquês" essenciais para a questão.

    Deixa-me começar por deixar claros alguns pontos que servem de base ao que direi a seguir em resposta ao teu post:

    - Já levo quase 14 anos de trabalho de edição e só há dois comecei a trabalhar regularmente com autores portugueses. É uma diferença óbvia relativamente a ser editor de traduções. Esta foi uma experiência nova para mim e com a qual aprendi muito.

    - Uma das coisas que aponto como erradas há longos anos no sector é o total desconhecimento e falta de interesse que todos os intervenientes do sector do livro (sejam eles editores, tradutores, gráficas, distribuidores, revisores, livreiros, comerciais, etc) têm em relação às tarefas, funções, dificuldades uns dos outros.

    - Algo que me irrita profundamente neste país é o problema dos "caga-sentenças" (perdoe-se-me o uso do popular termo). Toda a gente em Portugal tem uma opinião sobre tudo mesmo não sabendo nada sobre o assunto e sabendo que nada sabe e não fazendo nada para o corrigir.

    Dito isto vou tentar processar o que disseste com algumas clarificações, algumas que apoiam o que disseste outras que estão contra.

    Em primeiro lugar, o que chega aos editores primeiro são as obras. Nem faria sentido que fosse outra coisa. Não me interessa ter na frente um indivíduo genial, capaz de acrobacias orais, com um punhado de ideias capazes de gerar obras notáveis e depois não as ter. Por outro lado os editores recebem largos milhares de originais por ano. Somos um país que não lê mas que escreve que se farta.

    Assim a primeira fase é uma análise da obra e não é possível fazê-lo de outra forma. (Prometo aqui desde já um texto só a explicar porque é que os editores não respondem, por isso não me perguntem agora o porquê ou contem as histórias horríveis porque passaram.)

    Sobre a fase seguinte, estás absolutamente correcto ainda que não detalhes os dois prismas que o Editor tem de observar: a melhoria do texto (seja em termos de conteúdo literário ou em termos de comunicabilidade/hermetismo, por um lado e por outro as alterações do texto em função da orientação ao seu público-alvo.

    Os autores que trabalharam comigo sabem bem a importância que dou a estes dois vectores. O último então é de extremíssima importância e isto deve-se a um desfasamento incrível que existe entre autor e público. Com efeito são raros os autores que têm a percepção dos critérios de escolha e preferência do público (aqui fica uma nota muito importante: ter essa noção e trabalhar com ela tem de constituir para um autor um desafio e não a ideia feita de que está a vender-se ou a tornar a sua obra comercial - como se isso fosse algo de desprezível).

    (cont.)

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  2. (cont.)

    O ponto seguinte que tenho de abordar é o dos contratos. Aqui há duas vertentes essenciais a considerar. A primeira é simples e deriva de um dos pontos iniciais que enunciei. Não podemos ser um país de incompetentes e ignorantes. Se um autor quer ser um autor, informe-se sobre os processos e mecânicas do livro. Se se acha no patamar do "artista" que abnegou todas as preocupações mundanas como contratos e regras, processos e funcionamentos, desculpe-me mas merece o que pode vir a acontecer-lhe. Eu para ser editor trabalhei e estudei muito sobre a minha área e sobre as áreas adjacentes sem as quais a minha não pode sobreviver. Se vou a um médico espero que este saiba um pouco sobre medicina geral para que, mesmo quando se trata de um especialista, saiba que o procedimento x pode ter a consequência y. Quem é cego, surdo e mudo ao que o rodeia encontrará o desaire. Essa é uma verdade universal.

    Na outra vertente está questão dos contratos do ponto de vista dos interesses das editoras. Antigamente eram os editores que criavam os contratos, hoje em dia são advogados que escrevem contratos cobrindo todas as variantes e possibilidades que possam interessar aos seus clientes - as editoras. E algumas editoras abusam. Nem todas. Mas há editoras com práticas quase criminosas como as cláusulas de exclusividade. Mais uma vez aqui, desculpem-me os autores mas não custa nada, quando confrontados com um contrato, agradecerem e informarem que os vão mostrar ao seu advogado e que no dia seguinte dão uma resposta seja essa o contrato assinado ou sugerir alterações.

    Quem não procede deste modo são os mesmos tipos de pessoas que aplicam dinheiro ou compram produtos sem consultar e ler na inteireza os seus contratos. Este país precisa de pessoas competentes. Se não percebe tem que perguntar até perceber. E aqui fica uma nota aos autores: os meus Amigos nunca estão numa posição de fragilidade porque se um editor mostra interesse na sua obra, dificilmente é pelos seus lindos olhos.

    Quanto ao que se passa na fase seguinte com a falta de informação, desculpar-me-às Nuno mas há no teu texto um excesso de simplificação que tem de ser explicado.

    Em primeiro lugar deve explicar-se aos autores e interessados neste artigo que o mercado português está a trabalhar de forma desequilibrada desde sempre. Temos demasiadas edições, editoras, livrarias para um público reduzido. Isso levou sempre a que o mercado trabalhasse para lá das suas possibilidades numa lógica de fuga para a frente que se pode explicar da forma mais simples possível: eu quero fazer uma grande editora mas por mais que me esforce nunca faço dinheiro suficiente para suportar a minha estrutura. Assim a minha opção é clara: produzo mais e mais para ter sempre dinheiro a entrar e fazer uma gestão à vista: quando um dos meus credores me ameaça muito, eu pago. De outra forma abdico de tudo e faço uma pequena editora.

    Só que aqui está o problema: é que há anos que o mercado funciona com este tipo de mentalidade e com gestões sem qualquer profissionalismo. O nosso mercado da cultura em geral envolveu sempre projectos quixotescos - aproveito só para lembrar que a maior parte dos alunos que vão para artes e humanidades, fazem-no para escapar às matemáticas, e o sistema compactua com isso e deixa-os formarem-se sem grandes exigências - , e esses projectos quixotescos são geridos por pessoas sem formação em gestão, por outro lado - presos por terem cão... - há os grandes grupos geridos por gestores profissionais que, como muitos gestores deste país a começar com os políticos, querem gerir todos os negócios como se todos os negócios fossem iguais e também eles se estão nas tintas para saberem os pormenores e especificidades do negócio que gerem, quanto mais o dos seus fornecedores e colaboradores.

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  3. (cont.)

    É fácil dizer que as soluções para os problemas dos outros são os outros que têm de resolver, no entanto se essas soluções resolverem também os nossos problemas, não conviria que se trabalhasse em conjunto? Afinal estamos num sector em crise desde há mais de um século. Não se cansaram ainda de atirar as culpas para a crise? quando começarão a pensar em soluções de conjunto para o sector?

    Voltando um pouco atrás: ora se o mercado não é gerido em condições e todos procuram , por exemplo, pagar o menos possível, o mais tarde possível, e isto passa por livrarias, distribuidoras e editoras, é óbvio que sempre foi conveniente que os números de vendas e outros que tais não fossem transparentes.

    Como é que se resolvia isto com ganho para o mercado, para o Estado e para os autores?

    A criação de uma Base de dados nacional, obrigatória por lei, em que as gráficas indicassem quantos exemplares produziram de cada título, o editor indicasse o seu preço de venda e distribuidoras e livrarias, quantos exemplares têm em stock. esta base de dados deveria ser de consulta pública.Era um regulador de mercado simples e claro porque os agentes do livro acabavam por se controlar uns aos outros.

    Claro que isto não interessa a ninguém. Não é nada dispendioso e inclusivamente poderia poupar verbas que são atribuídas a organismos como a agência nacional de isbn - a atribuição do isbn poderia ser automática e funcionar em correlação com a base de dados que poderia ser gerida por qualquer entidade praticamente sem custos. Mas não interessa a ninguém, ao Estado porque se está nas tintas para o sector (como para a cultura em geral) uma vez que é algo que está desligado do grande capital, aos agentes do livro porque alguns ganham algum dinheiro com as maroscas, outros continuam a poder ter gestões incompetentes disfarçadas por detrás de números opacos.

    Tive oportunidade de propor esta solução a um Secretário de Estado da Cultura que também era autor e portanto teria algo a ganhar mas nunca obtive resposta.

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  4. (cont.)

    Quanto às questões finais que colocas: é infelizmente habitual um autor não querer saber nada sobre o processo comercial de um livro e depois queixar-se das vendas mesmo quando elas lhes são apresentadas de forma transparente. É sim.

    Há alguns poucos autores que são um pouco mais interessados e querem acompanhar e perceber o processo. E felizmente o número destes últimos começa a subir.

    O autor tem de começar a ser um elemento interveniente e pensante no processo do livro mas, por favor, com conhecimento de causa, queixar-se por queixar ou dar ideias por dar ideias sem fundamentos ou percepção da mecânica comercial do livro é inútil, ruído e só complica a vida do editor.

    Se alguém por aí pensa que isto é complicado desengane-se: ele há cursos de edição baratos e sucintos mas nem é preciso tanto: vá conversar com um livreiro, fale com um técnico de artes gráficas, pergunte ao editor. Qualquer autor tem de fazer investigação para escrever um livro, considere que tem também de investigar para publicar o livro.

    Comece por exemplo por conhecer as editoras para as quais manda originais: eu na Cavalo de Ferro recebia dezenas de originais por semana sendo nós uma editora que declaradamente - estava no nosso site - só publicava autores estrangeiros. Não mande originais de poesia para editoras que nunca publicaram poesia. Informe-se e defenda, dessa forma os seus direitos. Questione, até à exaustão, os processos, não as decisões.

    Por último, Nuno, porque já passei por essa situação, os editores são muitas vezes obrigados a agir contra os autores por gestões cegas e incompetentes.

    Quando isso acontece o editor nunca conseguirá explicar a sua posição ao gestor acima de si que o vê como um esbanjador de dinheiro, envolto em sonhos quixotescos e desprovido de senso comercial. Aí o editor fica entregue à sua consciência e tem de se lembrar que se foi contratado, esse facto deveu-se às relações de confiança e bom ambiente que foi construindo ao longo dos anos com os seus autores, com os tradutores, revisores e outros. São eles que fazem um bom editor e é por causa de eles fazerem do editor um bom editor que os gestores os contratam.

    Se o editor tiver isso presente as suas prioridades estão definidas e por outro lado se o gestor não o vai nunca ouvir/compreender, os autores, com base na relação criada, entenderão.

    Hugo Xavier

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  5. Acho ótimo que tenhas abordado este ponto de vista, Hugo.

    Desde logo, teria sempre de ser genérico, pois um post não me permite alargar muito na explicitação dos termos.

    Compreendo que por vezes os autores julguem «saber mais do que aquilo que sabem» em relação à função dos outros, é uma característica humana, aliás. Mas salvo os casos mais críticos, julgo que haverá mais vantagem do que desvantagem, em especial numa fase como esta onde até o PoD começa a ser ponderado pelos autores (sem saberem bem no que se estão a meter).

    Em parte discordo de algo que tu dizes, pois alertas que o que importa são as obras e não os autores. Na verdade, não concordo, pois a tua relação com o leitor passa sempre por ele. O leitor quer as obras do autor X e não outra coisa. Quando se fala de autores, fala-se de gente profissional, com provas dadas e não fala-baratos que têm o livro do próximo Código em Segredo de Harry Potter em Lua Nova na versão cultural.

    Quando falei da ação do editor não me referi ao facto de estar ou não a contribuir para a melhoria do texto - algo que tu explicaste bem -, que eu presumo que na maior parte dos casos seja real, mas sim como contraponto para a relação contratual que se estabelece, bem menos equilibrada.

    Em relação aos contratos: a forma como se estabelece não é a mais equitativa pelo processo e pelo timing da ação. É óbvio que numa visão real todas as partes têm de se acautelar, mas as regras da confiança estabelecem-se aqui, e esta visão relacional não é a melhor para ganhar a confiança dos parceiros.

    Ao explicitares o desequilíbrio do mercado e incompetência de algumas gestões estás a dar-me razão, pois ao distanciares o autor de o presenciar, estás a perder argumentos perante ele. O autor deve «sentir» diretamente o que se está a passar e não receber a informação de forma indireta. Concordo que a má gestão e a falta de perspetivas de negócio podem boicotar muita coisa e, se calhar, é isso que o gestor teme: ser avaliado no seu trabalho. Quem não deve, não teme. Se o trabalho for difícil e ambos o virem assim, a compreensão sobre os resultados é mais natural.

    E que os autores são complicados e conseguem por vezes até «prejudicar» o processo ou distanciar-se dos processos. Sim, alguns são, mas da mesma forma que o autor tem de lidar com o editor a intervir no seu trabalho e respeitá-lo, o editor também o deveria fazer. São regras básicas da confiança e a competência aqui será sempre a palavra de ordem. Um editor competente e que o demonstre perante os seus autores só terá louvores da parte do autor, de qualquer autor.

    Queira o autor ter acesso aos números e processos ou não, se tiver essa oportunidade e receber informação, terá menos desculpas e motivos para se irritar. Se disser coisas disparatadas ou alucinadas, tem de ter um editor com pés no chão que lhe explique tudo desde o início, nomeadamente definido as expetativas, como disse acima, dizendo: estes são os nossos recursos e estas as expetativas.

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  6. Boas Nuno,

    A minha preocupação em explanar um pouco mais o teu post deveu-se essencialmente a saber como os candidatos a autores o iriam ler e as suas reacções.

    Quanto ao ponto em que discordas comigo, permite-me dizer que não discordas, limitei-me a dizer, seguindo o teu post que o primeiro contacto tem de ser, para um editor, unicamente a obra. É essa que tem de convencer o editor. Já recebi imensos candidatos a autores com ideias muito boas mas que posteriormente não conseguem realizar nada. É partindo de uma obra (leia-se exemplo) que o editor vai avaliar o potencial de um autor. Depois chama-o para uma reunião e aí começa a fase tão importante que tu defendes e com a qual concordo. Só alertei que partir do contacto humano é geralmente a abordagem errada. O Editor quando falar com o autor tem de saber as suas capacidades e debilidades e só o vai saber analisando a sua escrita.

    Discordo contigo em relação ao retrato dos leitores. Há de facto leitores que querem ler obras do autor X, mas a grande maior parte são os públicos flutuantes que muitas vezes nem sabem quem é o autor de uma série que andam a ler. Isso passa geralmente pelos considerandos que são importantes para cada segmento de leitor. O Autor bem como a Editora são relevantes para um segmento médio-alto.
    O leitor do segmento baixo e médio-baixo dá especial relevância à capa e afinidade temática. Vendem-se livros com mais facilidade se se fizerem aproximações tipo "gostou de Harry Potter, então vai adorar Y".

    E autores são tão importantes os de uns livros como os de outros. Sabemos bem que mesmo aqueles que trabalham em subgéneros literários formulaicos dividem-se em maus, assim-assim e bons. Assim a J. K., Rowling é a melhor no seu género como a Nora Roberts o é no seu.

    No que toca às relações contratuais, desculpar-me-ás mas uns abusam na medida em que outros o permitem. Conheci largas dezenas de autores e sei bem o avessos que estes são em relação a burocracias (mesmo as mais necessárias e que garantem a sua protecção). Quanto ao tipo de editores que geralmente usam contratos armadilhados: grandes grupos e aqui muitas vezes não é culpa dos editores - são ordens superiores. Noutros casos estamos a falar de editores famosos pela falcatrua e há vários na nossa praça que laboram assim há largas dezenas de anos.

    Ou seja, na devida proporcionalidade a Edição é como a nossa sociedade em que muitos profissionais não seguem qualquer código ético e abusam de uma falsa posição dominante. E é aí que eu dizer claramente que o papel ético, moral e social do editor, como o apontou o João Carlos Alvim, tem de estar presente. Editores cuja preocupação primeira é o seu ego e viver de uma política de favores há-os, e infelizmente bem pagos e protegidos por máquinas empresariais que não sabem o mal que essa ligação causa às suas reputações.

    (cont.)

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  7. (cont.)

    Mas se vires a minha resposta eu deixo bem claro que a história da posição dominante e decisora de um editor é um mito, da mesma forma como deixo claro que um editor só cede a pressões no sentido de executar mal os seus deveres editoriais e morais se quiser.

    No que toca ao afastamento do autor relativamente ao processo comercial, estamos de acordo. Não discordei, faltava era a explicação dos porquês, caso contrário lá vamos nós editores arcar com a responsabilidade total. Ainda por cima longe vai o tempo em que o editor era quem mandava na editora.

    Em suma, concordei com quase tudo o que tinhas dito, achei apenas por bem explicar o porquê de algumas situações e na maior parte nem sequer desculpabilizando os editores.

    Em maior suma ainda: essa degradação da relação Autor/Editor deve-se, efectivamente a comportamentos incorrectos e imorais dos editores. Em boa parte isso deriva de um caos aceite na própria organização de mercado e todos parecem compactuar com ele como nós portugueses e o nosso sistema político - as semelhanças são tantas... - , mas para se corrigir esta situação são precisas três coisas: que o Editor assuma as suas obrigações morais e éticas, inerentes a qualquer profissão que envolva relacionamento humano. Que os autores evoluam, se informem e defendam a sua posição num mercado onde são uma peça essencial, como os editores ou as gráficas e como tal precisam de saber o mais possível sobre todos os outros agentes do livro. Que o estado assuma uma função efectiva de controlador ou que a entregue a um organismo externo. nem quero imaginar os milhões e milhões que ao longo dos anos fugiram ao fisco em edições ilegais, tiragens falsificadas e negócios por debaixo da mesa.

    Tudo isto corrigir-se-ia no momento em que se apostasse numa indústria de qualidade. A qualidade só se constrói e garante através da rectidão ética e moral nos negócios e em tudo o mais. Creio que esta crise vai efectivamente separar o trigo do joio. Não acredito que a relação de confiança entre o editor e o autor seja mais importante que qualquer outra. Tem de haver confiança, idoneidade, correcção, rectidão, palavra, honra e mais uma série de coisas que faltam na nossa sociedade.

    Não podemos continuar a ser um povo sofredor que depois faz queixinhas como vingança.

    Caso contrário lembra-me aquela vez em que jesus Cristo veio a Portugal e decidiu ver pelos seus olhos uma das coisas de que os portugueses mais se queixavam e por um dia foi médico num centro de saúde.

    Quando recebeu um velhote paraplégico na sua cadeira de rodas e conseguiu pô-lo a andar, este saiu do consultório e ao entrar na sala de espera sob olhar de espanto dos outros utentes que lhe perguntaram que tal era o médico novo, respondeu que era o costume, nem sequer lhe tinha medido a tensão.

    hx

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  8. Gostei de ler o post e os comentários, acho que este assunto é muito interessante e admira-me que mais ninguém cá venha dar a sua opinião. Não posso deixar de falar no meu caso, pois senti-me encorajada, em vários dos aspetos mencionados.

    Apesar de já ter publicado três livros, não faço quase ideia de como funciona a edição e o mercado livreiro portugueses. Mas não por falta de interesse! A verdade é que não sei onde me hei de informar. O facto de viver no estrangeiro (Alemanha) é um dos fatores responsáveis pela situação. O outro é ter sido desprezada como escritora pelos editores que já me publicaram, apenas por não ter apoios nem conhecimentos.

    Comecei por publicar por ter ganho um concurso literário sem prestígio. Houve uma editora (conhecida, que, naquela altura, era independente, mas hoje pertence a um grande grupo) que se viu "obrigada" a publicar o meu livro, porque uma cadeia de supermercados pagou. A maneira como me trataram nessa editora (de prestígio) foi sempre vergonhosa, nem sequer disfarçavam o facto de, quando eu telefonava, suspirarem, como quem diz: "lá vem esta outra vez. Ganhou um concurso de caca e já pensa que é escritora". Mesmo assim, no contrato que assinei, sabe-se lá porquê, puseram uma cláusula em que se reservavam um direito de opção nas minhas obras futuras, ou seja, eu teria (terei) sempre de lhes pedir autorização, se quiser publicar noutra editora! Em princípio, isto até me poderia favorecer. Na altura, pensei que uma cláusula dessas, em editora tão conhecida, até era uma vantagem. Mas o contrário aconteceu: quando eu tento reservar a essa conhecida editora o seu direito de opção, é um caso sério para me libertarem. Não enviam resposta, põem-me em linha de espera quando telefono e quando atendem, dizem qualquer coisa como: "mas afinal o que é que a senhora quer?" E isto, apesar de não terem o mínimo interesse nos meus originais. Bastava-lhes dizer: "Está livre! Faça o que quiser com o seu original!" Porque não o fazem, então?



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  9. Continuo aqui a minha exposição:

    O Hugo Xavier diz: "não custa nada, quando confrontados (os autores)com um contrato, agradecerem e informarem que os vão mostrar ao seu advogado e que no dia seguinte dão uma resposta seja essa o contrato assinado ou sugerir alterações" - pois eu quis fazer uma pequena alteração nesse meu primeiro contrato e o editor (muito conhecido e até muito mediático, se bem que mais pela sua esposa) fez-me sentir ridícula e ignorante por eu me pôr a exigir alterações! Eu era uma escritora inexperiente, a publicar o seu primeiro livro, orgulhosa de ter ganho um concurso literário... Senti-me muito mal, muito pequenina! E esse editor pavoneia-se em tudo o que é sítio, tem fama de muito correto e culto!

    No dia do lançamento do livro, ninguém sabia onde estavam os dez exemplares a que eu tinha direito por contrato! Foi um caso sério para mos darem! E isto apesar de eu, nos dias anteriores, ter telefonado várias vezes para a editora a lembrar que ainda não tinha os meus dez exemplares!

    Era um caso sério para obter informações sobre a venda dos meus livros. E eu, que até tinha vontade de pedir outras informações, sentia vergonha de o fazer.

    Enfim, arranjei outra editora, uma pequena editora. E, embora tivesse sempre de pedir autorização à grande, antes de publicar um livro, pensei que os meus problemas acabavam. Que ilusão!

    A nova editora NUNCA me informou das vendas dos livros e, até hoje, só pagou, talvez, um quarto dos meus direitos de autor! Desde 2009 que não recebo direitos de autor, nem faço ideia de quantos livros se venderam!
    E diz o Hugo Xavier aos autores: "os meus Amigos nunca estão numa posição de fragilidade porque se um editor mostra interesse na sua obra, dificilmente é pelos seus lindos olhos". Pois, se é assim, gostava de saber porque é que a minha atual editora quis publicar três livros meus, se não me liga importância nenhuma!
    "Muitos profissionais não seguem qualquer código ético e abusam de uma falsa posição dominante" - nisso, o Hugo Xavier tem toda a razão!

    Escusado será dizer que não mais publicarei nesta editora. E, sem ter para onde me virar, estou novamente na situação de enviar originais para editoras que recusam, ou nunca respondem!

    E agora, digam-me: onde está aqui o respeito pelo autor?

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  10. Obrigado pelo seu testemunho, cara Cristina Torrão,

    Observo que a relação correu mal tanto com a Asa como com a outra editora, ainda que por motivos diferente.
    Há de facto uma frase sua que me prende: «gostava de saber porque é que a minha atual editora quis publicar três livros meus, se não me liga importância nenhuma!» Essa é uma pergunta que há anos gostaria de poder responder e a minha única conclusão é: falta de opção.

    A culpa não é sua, de todo. A culpa é dos editores que não podem ou não sabem como fazer melhor, como melhorar e valorizar a base que têm mas sabem que necessitam de publicar livros para manter os níveis de de facturação (ou sell in... a maior parte das vezes) elevados, criando a ilusão de capital circulante.

    Nem é tanto o facto de se publicar demais que eu refiro, mas sim de se publicarem livros que sabemos não ser nem lucrativos, nem culturalmente relevantes, aquilo que nos EUA chamam de Spaghetti Publishing (atirar à parede a ver se cola).

    E sim, é muito complicado, em especial numa primeira fase, negociar seja o que for com os editores. Eu mesmo, em funções de agente literário e a negociar contratos de autores já com relevo deparei-me muitas vezes com intransigências para alterar as mínimas coisas. Isso nada tem a ver com os Grupos ou a falta deles, pois tive experiências ótimas e péssimas com editores em ambas as situações.

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  11. Bom dia Cristina,
    Infelizmente casos como o seu vão sendo frequentes e, pior do que isso, tendem a generalizar-se, mas estão bem para lá daquilo que o Nuno Seabra Lopes abordava.
    Aí estamos perante a despersonalização tão característica dos nossos tempos. Somos tratados com o mesmo sorriso e simpatia de um comercial de uma qualquer empresa de comunicações móveis ou por cabo. São simpáticos, parece que nos estão a prestar atenção mas recebem por isso e não para resolver problemas ou esclarecer dúvidas, apenas para sorrir.
    Essas máquinas trituram autores. Aliás seguem um procedimento, também ele cada vez mais comum em Portugal: os livros são lançados cá para fora. Se por ventura tiverem sucesso, então a editora começa a prestar atenção ao autor. Mas nada fazem para promover o livro. (isso deve-se a publicarem demais e por outro lado, coisa que já referi neste blogue, ao desfasamento que têm relativamente ao público.
    Só uma recomendação prática: alguma vez a sua grande editora cumpriu os prazos para lhe apresentar números de vendas e para proceder a pagamentos? Basta um incumprimento para tornar o contrato inválido. Se isso tiver acontecido, escreva-lhes uma carta registada, informe que considera o contrato nulo devido a incumprimento por parte da editora e nunca mais se sinta obrigada pela cláusula de exclusividade.

    (cont.)

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  12. Quanto ao que se passou na sua segunda e pequena editora. Se tal incumprimento sucedeu como é que a Cristina publicou 3 livros?
    A Cristina vai desculpar-me mas eu vou ser directo: só se aldraba quem se deixa aldrabar. O que disse o seu advogado face a essa situação?
    Estou a fazer essas perguntas mas sei o que a Cristina me vai responder e, mais do que isso, sei os porquês da pequena editora. Mas infelizmente temos de ser pragmáticos. O nosso mercado sempre foi mal gerido e agora em tempos de crise (desde 2008) pior a coisa é. Ninguém paga a ninguém e todos querem continuar a trabalhar.
    E é esta permissividade que abre caminho à perpetuação dos maus procedimentos. Se todos os escritores cujos direitos não foram pagos se juntassem e procedessem contra as editoras devedoras, provavelmente muitas delas abririam falência. Isso é bom ou mau? É obviamente bom, limpa-se o mercado de quem não procede bem. Claro que pelo caminho muitos escritores ficarão sem casa mas a opção é clara: querem ser editados por editoras que não os respeitam ou tentar a sua sorte num novo modelo?
    O estado da edição em Portugal nesta fase está perto da imagem de um charco de águas estagnadas. Dele só vivem insectos e nada circula ou se move.
    Os escritores têm de perceber que este não é o seu momento. As editoras vivem num regime de omoletes sem ovos.
    A dimensão do país e a dimensão do corpo de público comprador não se coadunam com a realidade do que se edita. O mercado produz demasiado em relação ao que se consome. Daí a minha repetida chamada de atenção em relação à necessidade de se formarem públicos como prioridade primeira do sector.
    Eu sei, Cristina,que nada disto apresenta uma solução para o seu problema mas enquanto isto não mudar, a sua situação é e será o pão nosso de cada dia para os autores em geral.

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  13. Embora me custasse a ler algumas frases, gostei que fossem francos comigo. As vossas palavras foram muito esclarecedoras (em todos os aspetos) e, no fundo, vieram confirmar aquilo de que já desconfiava. É pena não haver mais blogues deste género e admira-me que os leitores deste se retraiam tanto. Enfim, pode ser que com o tempo...

    Mesmo que as editoras tentem apenas "manter os níveis de facturação elevados, criando a ilusão de capital circulante", deviam tratar um autor por elas publicado com um mínimo de dignidade. Mesmo que achem que ele não tem grande valor. Mas é uma grande vergomnha faturar à custa de uma pessoa e desprezá-la.

    Admirei-me com a frase de Hugo Xavier: "nada fazem para promover o livro". É verdade, constatei isso. Mas pensei que isso só acontecesse nas editoras em que se paga para se ser editado. Agora compreendo que também nas outras é, muitas vezes, assim. E não se trata só da divulgação de livros. Houve um grupo de teatro da Póvoa de Lanhoso que levou à cena uma peça sobre D. Afonso Henriques inspirada no meu livro. Pediram autorização, dizendo logo que não podiam pagar direitos de autor. Eu aceitei e compreendi. O diretor da editora e eu fomos convidados para a apresentação da peça, com divulgação do meu livro. Eu estive presente, a editora não ligou nenhuma, deixou-me lá sozinha! Eu acho que teria sido uma boa oportunidade para igualmente promover a editora, mas, enfim...

    É verdade que "só se aldraba quem se deixa aldabrar". O Hugo Xavier diz que sabe porque aturei a situação durante alguns anos e eu acredito que sim. E olhe que só me pagaram alguns direitos de autor porque houve uma ocasião em que lhes impus essa condição em troca do meu original sobre D. Dinis, senão, nem esse dinheiro eu tinha visto. Não tenho advogado, penso que não compensa contratar um, em relação ao que teria de receber (se o recebesse).

    O Hugo Xavier pergunta: (os autores) "querem ser editados por editoras que não os respeitam ou tentar a sua sorte num novo modelo?" Mesmo antes de ter vindo aqui, eu já tomara a minha decisão: prefiro continuar à procura de editora, mesmo recebendo recusas, do que aguentar uma que não me respeita. Pode ser que um dia tenha sorte, mesmo que demore anos. Aprendi a ser paciente.

    Termino agradecendo a informação de Hugo Xavier sobre a anulação de um contrato devido a incumprimento por parte da editora. Agradeço, aliás, todas as outras informações. Nem sei onde as iria buscar, se não tivesse vindo aqui parar.
    Obrigada.

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  14. trabalhei numa editora onde um administrador dizia que se o livro não vendesse 50.000 exemplares não interessava... Acho que o senhor nunca vendeu nenhum livro com vendas acima dos 4000 exemplares.

    Mas Cristina, em editoras que funcionam no tal sistema de fuga para a frente que o Nuno refere, acabam a fazer-se mais livros do que aqueles que os tempos necessários a uma edição e divulgação cuidada recomendam. E a pescadinha coloca o rabo na boca...

    Boa sorte.

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  15. Curiosamente acabo de receber este pedido de petição, que tem a ver com a questão dos contratos de que aqui foi falado.

    Aparentemente querem legislar o uso de fontes dos contratos e obrigar ao tamanho mínimo legal do texto, ou seja, «Petição contra o uso de letrinhas».
    A ver aqui: http://www.contraletrinhas.pt/

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  16. Caro Hugo,li a conversa acima em diagonal, mas com o maior interesse. Estou a tentar encvontrar a "minha" editora. Se precisar, escrevo-lhe ou telefono-lhe a pedir um conselho.
    O q- mais me custa é ver as campanhas contra as fotocópias e dp os alunos sem aoutra alternativa. É desprimoroso para uma editora reeditar um livro doutra?
    Temos de combinar encontar-nos para um café. Mvitalina

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