1/23/2013

O problema dos saldos



Falar de saldos é quase suicídio. Todos, de entre nós, adoramos encontrar os livros que queremos ao preço mais convidativo, e nenhum editor gosta de ter um armazém cheio de «ativos» que só não são tóxicos, porque nenhum guru da economia assim decidiu chamar aos milhares de livros mortos que repousam eternamente nos armazéns das editoras.

«Rodar é viver», poderia ser o lema do mercado. Se não vende, volta para o caixote de onde nunca mais sairá até ao dia da guilhotina final. E faturar é manter a máquina a andar, seja a vender 1000 livros a 10,00€ ou 5000 a 2,00€. Reduzem-se os fundos, mantém-se o fluxo de capital e o dinheiro necessário para salários e novos projetos.

Para um livreiro, a justificação é também óbvia, quando mais barato, mais vende (ou, em crise, mantém os volumes de venda), como a margem não se altera, torna-se apenas uma questão de evitar com isso o aumento de custos do processo. Até a GfK, em final de 2011, se congratulou com o aumento do volume (mesmo registando quebra de valor).

Para além do mais, o livro é um produto e, o preço, só um dos seus elementos (importante, claro), daí que não saia beliscada a sua reputação se for vendido mais barato, que o digam os livros de baixa qualidade gráfica e de paginação que são vendidos massivamente com os periódicos, e onde ninguém se parece importar muito com isso.

Se se vende mais e todos estão contentes se – com muitos parecem acreditar −, têm sido os saldos a aguentar o mercado de quebras maiores, qual é o problema dos saldos?

Pessoalmente não acho que os saldos sejam uma coisa má, má é todo o mercado ser composto por saldos.

Quando em todas as estações de metro ou comboio, faculdade, instituto, fundação, jardim e praça pública surgiram «Feiras», aproveitando uma tresleitura da Lei do Preço Fixo (aliás, praticada por quase toda a gente que tenha mais do que 5 pontos de venda ou possa mudar de localização...), muitos se regozijaram. Para os editores era uma segunda vida para escoar os seus produtos, um destino melhor do que o pó ou a lâmina.

Quando, a partir de 2009, os hipermercados começaram claramente a selecionar os seus livros para redução do preço médio (com saldos, feiras, etc., para além de alterações na seleção), todos perceberam. Hipermercado é hipermercado e nada de estranho se apresenta.

Quando as principais redes reduzem agora os seus fundos e destinam espaços cada vez maiores às «ilhas» de saldo (que agora parecem permanentes), alguns começam a perguntar-se se ainda existe mercado para além dos saldos.

Não fosse a Lei acima referida proteger por 18 meses o preço do editor, e ser difícil e custoso a sua alteração (pelo editor), e nos nossos centros comerciais não teríamos livrarias, mas só discount stores de livros.

Reina a confusão. A estratégia de preço é inexistente (ou assenta num: vou ver o que consigo vender a este preço «justo» e depois [de morto] arranjo forma de despachar o resto), o mercado vive entre uma profusão de saldos e uma legião de novidades a preços demasiado elevados para se comparar.

Os pequenos livreiros tornam-se, assim e sem quererem ser, livrarias boutique. O lugar dos livros caros.

Se os livros novos não vendem porque são caros (para o mercado) e acabam, tempos depois, a preços de liquidação, porque não desenvolver uma estratégia de preço mais competitiva, que permita aumentar a atratividade com o preço (associando ao fator novidade) e, assim sim, vender mais logo à partida? Será mais arriscado que ter um preço que não permita ir além da venda de 200 ou 300 exemplares?

Há quem diga que o preço não é importante em muitas das categorias, mas, e assim não fosse, ninguém estaria a falar agora em saldos.

Nuno Seabra Lopes

7 comentários:

  1. Como leitor, cada vez me custa mais comprar fora das livrarias pequenas. Prestam um serviço incalculável à cultura e merecem maior protecção. A lei dos preços fixos não poderia ter um papel mais importante nessa matéria, como penso ter em França?

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  2. Julgo que o nosso co-bloguer, José Afonso Furtado, poderá responder melhor do que ninguém a essa sua questão. Mas o D.-Lei português surgiu - tendo por base a Loi Lang, que fala - em finais dos anos 1990 para as proteger, essencialmente.
    Infelizmente as leis protecionistas nunca são suficientes para impedir nada, até podem ser perniciosas, pois tiram a pressão imediata e escondem a morte lenta de quem não aproveita esse tempo para se ajustar aos tempos.
    Atualmente esta é uma situação complexa, pois alguns produtos não lidam nada bem com essa constrição ao dinamismo do preço, mas a sua anulação iria ser o rebentar de uma barragem num rio demasiado represado. Seriam mais os estragos do que outra coisa.

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  3. Após uma conversa privada suscitada por este post entre mim e um editor da nossa praça, acho que devo acrescentar algo mais:

    Obviamente que o nosso mercado não consegue funcionar todo em escala. Não é baixando o preço de todos os produtos que passaremos a ter um mercado «capaz», apesar de poder melhorar um pouco.
    Compreendo também que a quebra do preço leve à quebra do valor percebido (irrecuperável, como se viu na música, e crucial numa fase de mudança para digital), mas o que pretendo mostrar com este exercício é que o valor percebido já quebrou.
    O cliente não tem percepção do factor novidade, as vendas que indicam o contrário apenas refletem o canal (só encontramos novidades à venda...), pelo que o cliente tem apenas noção que os livros nas livrarias (novidades) são caras, pois ele compara-o necessariamente com todos os milhares de livros que constantemente pode comprar em saldos que, para ele, só têm a diferença de estarem muito mais baratos.
    Afinal de contas, qual é o valor de poder ler o último Martin Amis como se fosse uma notícia de jornal? Para 99,9% dos leitores não é nenhum, ou para isso mandavam vir logo em inglês, como se observa nas categorias/ produtos seriais que funcionam assim (Harry Potter, Game of Thrones, Twilight Saga, etc.).

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  4. Caro Nuno,
    Ora aqui está um tema do maior interesse e que, de alguma forma, se relaciona com o texto anterior, em que falava do decréscimo da venda de livros em 2012.
    Estabelecer o preço adequado a cada obra e ter uma política mais ou menos agressiva de saldo de livros, é algo com que lido há décadas e que sempre despertou discussões apaixonadas. O mesmo se poderá dizer da «Lei do Preço Fixo». E tanto me refiro às perspectivas seguidas no âmbito das editoras, como no que diz respeito ao retalho tradicional, às grandes superfícies e até aos regulamentos (e práticas que os contradizem) das tradicionais Feiras do Livro de Lisboa e do Porto.
    É certo que pouco ou nada alterei a minha forma de abordar esta questão. No essencial, sempre pensei e procurei agir partindo da premissa que refere no seu comentário em resultado de conversa privada que, a este propósito, manteve com um editor: a quebra inconsequente, desregulamentada, exorbitante e permanentemente praticada, do preço dos livros, leva (já levou)à quebra do valor percebido.
    Se o correr dos anos e a experiência contam. Então afirmarei que o caos resultante da falta de coerência na definição de preços já está de tal forma instalado e já criou tanta confusão e mal-entendido entre os compradores de livros, que dificilmente será recuperável. Para que a destruição não seja completa, resta apenas o bom senso de manter, se possível com ajustamentos pertinentes, a «Lei do Preço Fixo».
    Rui Beja

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  5. Reconheço a complexidade do problema e não sei até que ponto em França funciona melhor. De qualquer forma, o facto de encontrarmos os mesmos livros com os mesmos preços, seja na FNAC, seja numa livraria de bairro, deixa-me com algum sentimento de equilíbrio e de justiça. Penso que isto passa por serem as livrarias reconhecidas como um bem a proteger e por terem disso consciência as próprias livrarias e livreiros.

    Seja como for, a pressão editorial preocupa-me porque tem levado a avalanches de edições sem qualquer interesse ou qualidade (agora andamos com os livros eróticos não é?) e ao tratamento dos leitores como se de idiotas se tratassem. Os bons livros não passam de validade, mas hoje tudo expira rapidamente. Cada vez mais sinto que as melhores livrarias são os alfarrabistas, que me parece que começam a ter um maior stock de livros com apenas alguns anos. Uma espécie de offshore do mercado livreiro, onde fica o que é bom e de interesse.

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  6. Bem, deixem-me meter um poucochinho o bedelho nesta questão.

    Em primeiro lugar, caso desaparecesse hoje a lei do preço fixo penso que o mercado em nada mudaria. As grandes superfícies continuam a contornar a lei e a apresentar livros a preços mais baixos e as livrarias independentes a apresentar livros com preços mais caros.

    Creio isso sim que a Lei do preço fixo eliminou a criatividade dos pequenos livreiros, acho mesmo que os resultados para estes últimos são mais nefastos do que para os grandes (livreiros e outros). Era precisamente o pequeno livreiro, na sua diversidade e diferença em relação aos grandes que poderia oferecer produtos alternativos a preços mais baixos fazendo deles as suas apostas. A lei do Preço Fixo obriga-o a concorrer nos mesmos moldes (que não são nunca os mesmos porque o desconto comercial para os grandes está bem acima dos 40% e para os pequenos nunca ultrapassa os 35%). A lei, no meu entender, condiciona, neste momento, a capacidade de diversificação.

    Em relação aos saldos, tive oportunidade de o escrever no meu blogue há quase dois anos, a grande problemática está, para mim, no factor habituação que é assustador. Há, de facto, segmentos em que o preço tem um peso menos evidente. Mas o público desses segmentos não vai negar a possibilidade de comprar mais barato e se se habitua, esse segmento cujos custos de produção estão associados às pequenas tiragens não vai sobreviver.

    A política de preços tem de ser repensada, é verdade mas não é possível fazê-lo se não se iniciar uma política de catálogo nas editoras. Uma política em que a programação editorial seja pensada a médio prazo com o equilíbrio orçamental pensado enquanto todo para que se possa tirar 1 e ao livro muito caro e acrescentá-lo ao mais barato sem que isso prejudique nenhum deles. para tal é necessário haver vontade das direcções financeiras dos grandes grupos e uma completa compreensão do público que raramente existe.

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