4/01/2013

Protagonistas da Edição: Fernando Guedes


Sei que serei sempre suspeito ao falar deste livro, por ser fundador e antigo coproprietário da empresa que o encomendou e editou. No entanto, desde há bastante tempo que leio e faço a crítica aos livros que saem neste setor e, como não tive implicação direta na criação do mesmo, acho que devo também falar − da forma mais isenta possível − sobre esta obra.

O projeto, existente na empresa desde há longa data (cuja ideia passou por várias fases, entre elas a de entrevistas vídeo só a editores), só se pôde concretizar mais recentemente em boa parte pela conjugação de interesses da Booktailors e da jornalista e crítica literária Sara Figueiredo Costa, amante da «arte negra» tipográfica e devota do mundo profissional da edição, em particular no seu aspeto mais tradicional.

Nessa sequência, e integrada num posicionamento claro da parte da Booktailors, foi publicado recentemente o primeiro livro de uma série de «livros-entrevistas» dedicados aos Protagonistas da Edição, não só aos editores (publishers), como este livro poderia transmitir, mas também aos editores (editors), tradutores e vários outros agentes que compõem este mundo da edição.

O primeiro volume foi dedicado a Fernando Guedes. Se, por um lado, a escolha de Fernando Guedes não poderia ser mais consensual − é um editor «gigante» cuja carreira e importância histórica ultrapassam as fronteiras nacionais, e a mais proeminente figura viva da história da edição portuguesa −, por outro lado a sua execução não é tão simples quanto se pensaria à partida. Por um lado, Fernando Guedes é um ativo autobiógrafo, historiador do livro e da edição em Portugal, tendo na sua biobibliografia mais do que uma obra onde conta a sua história e o seu percurso, a par com a história da edição e comercialização do livro em Portugal, e à qual se deve associar uma outra obra comemorativa por alturas dos 40 anos da Editorial Verbo, onde surgem os restantes elementos em falta da empresa por ele cofundada e gerida. Outro dos elementos a ter em conta é a proverbial reserva de Fernando Guedes em deixar publicar qualquer texto que possa, de alguma forma, apresentá-lo politicamente de forma menos correta, sendo que qualquer «desvio» dos temas e assuntos convenientemente demarcados teriam como resultado a impossibilidade de publicação do livro.

Face aos constrangimentos referidos e à elevada quantidade de informação já disponível sobre o «protagonista», resta a pergunta: o que se pode e/ou sobra contar?

Antes de entrar na especificidade da obra, devo referir-me à coleção. Se Fernando Guedes tem muita biobibliografia, o mesmo não se passa com a quase totalidade do setor, cuja falta de informação é contrastante. Nessa perspetiva, esta coleção é mais do que bem-vinda, é mesmo essencial para preservar a memória deste tempo fugaz para, em conjugação com outras obras de cariz mais científico e historiográfico, auxiliar à criação de uma imagem mais completa do que foi ser editor em Portugal ao longo do século XX. Em termos de design, não sendo especialista nada tenho a apontar; design sóbrio, fazendo lembrar o velho trabalho tipográfico, tem uma leitura higiénica e surge complementada por algumas fotografias – apesar de serem todas na mesma toada e não acrescentando tanto quanto se esperaria −, impressas em bom papel. Do ponto de vista editorial, parece-me irrepreensível, notando-se o cuidado tido com o livro em termos de paginação e de revisão.

Ao layout dos conteúdos deve-se evidenciar que para além do texto central, houve o cuidado de incluir alguns extratextos importantes como uma tabela cronológica e um perfil resumido. Menos evidente surge a necessidade de um índice remissivo numa obra desta (pequena) dimensão, que só se explica pela falta de um índice por onde se possa seguir a ordem dos assuntos abordados. Relativamente ao texto deste primeiro volume, o mesmo foi feito mantendo os traços da relação entrevistador/entrevistado, estando Sara Figueiredo Costa presente não só nas perguntas que surgem, mas também em algumas respostas e na forma como se desenrola a conversa. Torna-se assim o texto mais dinâmico, mais empático, «em jeito» de conversa privada tida à mesa da Sociedade de Geografia (que também surge referenciada como espaço da conversa). Esse modelo permite fazer-se uma leitura calma e escorreita, mas transmite também uma sensação ligeira de «conversa de circunstância», sem o diálogo ou o cruzamento de informações que permita aprofundar as questões abordadas.

Das respostas dadas por Fernando Guedes, destaco a lucidez e capacidade de observação que o Editor mantém, capaz de perceber de uma forma nada «quadrada» − como a dada altura se caracteriza – a evolução e atual conjuntura da edição em Portugal. Também destaco a humildade com que partilha todas as suas aventuras com quem com ele esteve presente e, sem desmerecer o trabalho tido, a «sorte» com que foi podendo desenvolvê-las.

Nesta «conversa» em forma de livro, lamenta-se a pequena extensão da obra, que permite só aflorar brevemente os diversos temas – por vezes dedicando-lhes só quatro ou cinco linhas −, sem espaço para muitas histórias (apresenta apenas uma realmente original sobre de José Gomes Ferreira, e explica com mais alguns detalhes a prisão de Fernando Guedes por alturas do PREC), não acrescentando mais ao que já está publicado nas obras autobiográficas do autor. Quero no entanto referir que este modelo me parece igualmente válido pois, apesar de tudo, permitirá, num prazo relativamente curto, abranger um elevado número de «protagonistas», elencando-os para memória futura e deixando os elementos de base que permitirão que outros possam desenvolver obras mais aprofundadas.

Os próximos títulos, dedicados a Carlos da Veiga Ferreira (histórico editor da Teorema) e Guilhermina Gomes (alma e editora da Círculo de Leitores) já não deverão padecer desse problema pois, e tal como acima referi, pouco ou nada existe publicado sobre outros protagonistas, nomeadamente os agora referidos, e alguns deles são proverbiais não pela sua reserva, mas pela sua coragem em afirmar publicamente tudo aquilo que sabem.

Considero então este como o pontapé de saída – com classe – de uma coleção que poderá contribuir para a divulgação da vida e obra de «Protagonistas» que, cada um à sua maneira, representam uma geração e uma forma de trabalhar e dedicar a sua vida aos livros que hoje já dificilmente encontramos.

Nuno Seabra Lopes

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