5/08/2013

O Ruído da Feira do Livro

Fonte: Online24

Quando, há alguns anos atrás, a APEL quis reformular a Feira do Livro de Lisboa (e Porto), pude participar ativamente nesse processo e ver muitas das minhas ideias e projetos implementados no novo e atual modelo. Entre eles destaco o projeto de animação, que incluía a abertura das «Praças», como locais de multiplicação de atividades de animação e de descanso, reforçando a perspetiva de lazer do espaço e aumentando o tempo de permanência no local, entre vários outros motivos.

Ideias à parte, presumi e fiz cálculos para que houvesse uma apropriação dos espaços pelos editores, o que levaria ao aumento acentuado das ações de animação. Vejo agora que presumi errado, por defeito.

Se por um lado isso aconteceu, por outro lado não contei que a existência do conceito permitiria a sua apropriação para implementação em áreas «privadas» suficientemente largas para o efeito. Exemplos como a percursora Praça LeYa foram surgindo, algumas até abusivamente, como o famoso túnel da Babel, que isolava completamente o cliente do espaço da Feira − levando demasiado além o conceito de retenção do cliente e indo contra o princípio aberto e associativo do evento. Sendo que este processo foi politicamente impossível de travar numa estrutura representativa como a APEL.

O resultado está à vista. De uma falta crónica de animação passamos à confusão absoluta, com demasiada gente retida em pequenos espaços durante os picos de visitação, dezenas de ações em simultâneo e um excessivo ruído, gerando aceleração do processo de visita, ansiedade e cansaço.

Isso não seria totalmente mau (pois reflete mais, mais longa e repetição da visitação) se não acarretasse outras alterações. A principal alteração é a falta de capacidade para o processo normal de venda, e a maior dificuldade de concentração para «ver» os livros e escolher sossegadamente levou à alteração das características do resultado do processo de venda.

A grande alteração é a seleção por critérios diretos, o que leva quase exclusivamente à compra por impulso (impulso de preço, de notoriedade, ou do chamado valor reconhecido simples). Ou seja, a Feira do Livro torna-se assim num grande espaço de venda de poucos títulos (comunicacionalmente falando, em termos de retenção da atenção) – aproximando-se do modelo dos hipermercados − e perde o seu valor de espaço de fundos o que, por sua vez, leva ao apuramento da seleção de livros por esse mesmo critério por parte dos editores.

A falta de regulação da «confusão» reinante no espaço da Feira do Livro levou inevitavelmente à alteração do perfil comercial da Feira.

Se estava à espera que isso ocorresse? Não. Se estou contente? Definitivamente, não.

Se vamos a tempo de mudar? Talvez, também, não, pois a capacidade política da APEL em implementar medidas de restrição (comunicacional/ comercial) aos seus associados é nula face aos interesses e objetivos da mesma. Não compete à APEL zelar por um perfil mais «cultural» da Feira em prejuízo dos interesses económicos dos associados, mas será ela a grande prejudicada da próxima vez que alegar os motivos culturais como motivo para o financiamento público, como se percebeu recentemente com a Câmara Municipal do Porto.

Nuno Seabra Lopes

5 comentários:

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  2. Caro Nuno,

    É verdade. Foi em 2009 que teve lugar a modernização das Feiras do Livro de Lisboa e do Porto. Trabalho árduo, muito árduo, para conceber, obter aprovação da Câmara Municipal de Lisboa (e posteriormente do Porto), financiar, regulamentar, financiar, construir e concretizar esse ambicioso projecto.
    Parece que foi ontem que o Nuno, o João Espadinha e eu próprio, passámos múltiplas noites, até às três e quatro horas da madrugada, a trocar e-mails tendo em vista concretizar o plano a submeter à Câmara Municipal de Lisboa; e lá estavam, e lá ficaram, as suas ideias que em muito contribuíram para “a grande volta que a Feira levou” e para o sucesso amplamente reconhecido pelos participantes, pelos visitantes, pela comunicação social e pelos responsáveis institucionais.

    O Paulo Ferreira, que consigo fazia parceria no Booktailors, o João Sardoeira, responsável pelo fabrico e montagem dos novos pavilhões, o Eduardo Boavida, director da Feira de Lisboa, o Avelino Soares, director da Feira do Porto, e toda a direcção e colaboradores da APEL, fazem também parte da vasta equipa que pôs de pé um projecto que muitos consideravam, e uns quantos desejavam, ser impossível. E sim, foi definido um conceito e respectivo programa, muito forte, para animação cultural das «Praças», subordinado a um princípio fundamental: todas as acções teriam de girar à volta dos livros. Como foi igualmente definido, e claramente regulamentado, que as Feiras do Livro de Lisboa e do Porto se constituíam como a maior montra do livro, a grande oportunidade para os visitantes encontrarem obras mais e menos comerciais, mais antigas ou mais modernas, a preços convidativos mas com rejeição absoluta da noção «feira de saldos». E a APEL assegurou, com uma ou outra pequena excepção, é certo, que os conceitos definidos foram cumpridos, demonstrando que pode ser por opção mas não por falta de capacidade para o fazer, que em anos subsequentes terão sido alteradas, como refere, as restrições (comunicacional/comercial) aos seus associados.

    Concordo com o Nuno quando diz que estes princípios foram progressivamente alterados em muitos dos aspectos que refere, num sentido que perverte o conceito inicial. Mas não, já não concordo que tivesse deixado de ser a grande festa anual do livro, nem que tenha perdido o carácter cultural que lhe é inato. Muito menos aceito que isso seja razão para não ser considerado o interesse cultural que justifica apoio financeiro por parte das respectivas Câmaras Municipais. Aliás, já tive oportunidade de afirmar em comentário anterior, a propósito do cancelamento do apoio da Câmara Municipal do Porto à Feira de 2013, referindo-me concretamente à forma como decorreu a negociação e a implementação do protocolo assinado entre a APEL e a CMP em 2009: “Sei bem das dificuldades levantadas ao longo do processo, da forma economicista e política como o projecto foi encarado, e da insensibilidade pelo envolvimento no sucesso cultural do evento”.

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  3. Caro Rui Beja,
    concordo consigo quando diz que a Feira do Livro é a festa anual do livro e que existe um óbvio carácter cultural inato ao evento. Manifestava essencialmente o meu receio de ver esse carácter progressivamente desaparecer e, em simultâneo, pela impressão que este modelo traz às pessoas de que este se está a tornar, progressivamente, um evento iminentemente comercial.

    Referia-me também à forma como a APEL não tem conseguido parar o fenómeno de proliferação dos eventos. Muito é bom, imensos é demais e prejudica a própria feira, ao contrário do que se poderia julgar: mais eventos não é necessariamente um carácter cultural reforçado.

    A APEL tem feito bastante ao manter uma programação autónoma, com relevância, tentando fazer o contraponto relativamente à babel de eventos, mantendo-se no pavilhão, local que, apesar de afastado, permite aumentar o programa sem contribuir para a confusão por mim referida (até serve como éden para descansar, por vezes).

    O meu receio prende-se com essa mudança não propositada do perfil comercial da Feira - que tem sido manifestada por vários desde 2010 - e a percepção que a mesma possa ter exteriormente, prejudicando o apoio generalizado que a Feira mantém.

    Sou dos primeiros defensores da Feira (cheguei a «fazer a Feira» - leia-se: trabalhar como livreiro - do Porto durante os anos de 1999 a 2001, com imenso prazer) e assusto-me ao ver que aquilo que este ano sucedeu no Porto possa ser o indício de algo que possa vir a terminar este quase centenar evento.

    Quando digo que a APEL não ter capacidade refiro-me ao facto de a APEL representar os associados e os associados têm como principal preocupação a manutenção ou aumento dos resultados comerciais do evento. Uma alteração que venha, propositadamente, prejudicar esses resultados seria vetada no seio da APEL. Os associados da APEL votariam sempre contra, pensando nos seus próprios interesses.

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  4. Apenas um pequeno apontamento em relação ao seu último parágrafo, Nuno.

    Os associados da APEL não diferem dos membros de outras Associações Profissionais e/ou Empresariais, no que à defesa dos seus interesses diz respeito. A questão está em determinar e demonstrar quais são os reais interesses face a situações concretas, como é o caso das Feiras do Livro de Lisboa e do Porto.

    Ora, sendo certo que a prevalência na obtenção de resultados imediatos constitui uma forte tentação, especialmente no momento dramático que se vive neste país, não tenho dúvidas que os associados da APEL têm igual preocupação em manter abertos os caminhos do futuro. E assim sendo, restará encontrar a estratégia que melhor assegure o necessário equilíbrio entre estes interesses contraditórios, convencer o colectivo de associados da bondade das conclusões obtidas, e pô-las em prática.

    Poderá dizer-me que estou a ser utópico. Certamente que sim; mas acredito que uma pitada de utopia, caldeada com outra de realismo e uma grande dose de trabalho, constitui um bom ponto de partida para se chegar um pouco mais além. Sei que é muito fácil desenvolver teorias e muito difícil pô-las em prática. No entanto, diz-me a experiência que perante uma teoria bem alicerçada e bem comunicada, a probabilidade de ser aceite pela maioria, e de ter concretização bem-sucedida, é muito considerável e bastante compensadora

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  5. Seria ótimo que assim acontecesse e como o Rui Beja conhece profundamente o ambiente e o funcionamento associativo da APEL, acredito que tenha razão.

    Espero que haja quem desenvolva essa teoria junto dos associados e a coloque em prática, agora.

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