12/13/2014

As soluções positivas e as soluções negativas: a APEL e a Agência Nacional de ISBN

Recentemente a APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros) emitiu um comunicado em que informa que, devido ao retirar do apoio da secretaria de Estado da Cultura que "nos últimos anos, tem subsidiado uma parte dos custos operacionais da agência e tem permitido manter este serviço público gratuito", não tem outra solução que não seja cobrar o serviço e avança com a proposta que todos poderão consultar abaixo:


Nesta proposta há vários pontos que me intrigam. O primeiro é o claro abuso relativamente aos pequenos e médios editores. Se um editor associado da APEL que, digamos, pede 50 ISBNs por ano vai pagar um aumento de 10% na quota de associado, como poderá sentir-se face a um grande editor que pede mais de 500 ou 1000 ISBNs e vê a sua quota aumentada nos mesmos 10%. Esta é uma solução negativa e poderia ser resolvida por um aumento percentual da quota relativamente a chancelas activas, o que permitiria de imediato distinguir os pequenos dos grandes editores.

Para os não-sócios a tabela de preços está patente e considerando o número global de livros publicados anualmente em Portugal, quer os que encontramos nas livrarias quer os que raramente lá chegam como as publicações Universitárias, de organismos públicos, várias publicações periódicas, separatas e folhetos de alguma dimensão, e se calcularmos que cada ISBN "custa" em média (deduzo-o pela tabela) 10 €, estamos a falar de valores muito significativos (claramente acima dos 400.000 €).

A ideia do desconto por quantidade de ISBNs pedidos é também interessante, estamos a falar de aplicação de uma política comercial dentro de uma agência nacional! (Algo como dizer que quem tem muitos rendimentos pode pagar percentualmente menos impostos.) E mais uma vez e para usar uma expressão cunhada em discurso culto e oficial pelo nosso Primeiro-Ministro, "quem se lixa é o mexilhão". O pequeno editor que paga mais por pedir menos ISBNs como se um ISBN fosse um produto lucrativo (que parece efectivamente ser, para alguém).

Acresce a isso a estranha questão do que é, fora do âmbito dos associados da APEL, um editor profissional ou um editor não-profissional. Pano para muitas mangas de discussão.

Permitam-me então apresentar uma ideia um bocadito mais interessante, creio eu.

Imagine-se que com metade do valor global que se espera arrecadar para cobrir parte dos custos operacionais, se investe no desenvolvimento de uma aplicação que funciona a partir do site da internet da APEL - como já é o caso.

Quem quer que queira pedir um ISBN tem de se inscrever nesse site dando os dados da sua empresa ou os seus pessoais em caso de edições de autor.

Digamos que para obter o ISBN tem de preencher um X número de dados informativos obrigatórios sobre o livro em causa (o que fará com que, pela primeira vez na história do ISBN em Portugal, haja informação efectiva sobre os livros permitindo a elaboração de índices e garantindo dados fiáveis de mercado sobre a tipificação dos livros e publicações já que antes raro era o editor que preenchia a ficha de informação adicional). E claro que o gerar do ISBN é feito automaticamente através do software disponibilizado gratuitamente pela Agência Internacional de ISBN.

Com isso poupa-se o ordenado de quem na Agência Nacional de ISBN faz o tratamento de dados, sendo apenas necessário um supervisor que verifique se um qualquer editor preguiçoso não decidiu preencher como assunto do livro "Atirei o pau ao gato atirei o pau ao gato atirei o pau ao gato [e assim por diante]". Os dados são processados automaticamente e criada uma base de dados bibliográfica sem necessidade de intervenção humana.

Esse software envia, igualmente todas as fichas aprovadas pelo supervisor para as agências internacionais de ISBN e outros organismos para os quais o envio seja necessário.

(Neste ponto devo dizer que estou quase certo que há apoios europeus que podem cobrir o investimento da criação deste software ou, pelo menos de uma boa parte do mesmo.)

Ligada a essa base de dados pode estar um site de consulta pública para acesso a informação sobre os títulos publicados recentemente. E em caso de necessidade de real rentabilização, podem vender-se os dados completos de cada título às livrarias online que assim pagam mas sempre menos do que ter, do seu lado, pessoal a introduzir os dados relativos a cada livro enviados pelas editoras nos mais diversos formatos e suportes. E sendo a fonte de informação a mesma, qualquer bom programador cria um batch de importação de ficheiros que cria a ficha de produto em qualquer livraria online.

Na verdade isto implica apenas a criação de um site que pode funcionar dentro do domínio da APEL logo não implicando custos adicionais para mais ninguém.  Em termos de programação deste software, conheço muitos programadores que precisam de trabalho e a realização de uma Base de dados dinâmica como esta é algo que se faz nunca gastando mais de 15.000 € (e mesmo este valor é provavelmente exagerado). Fora isso o aluguer de servidores principais e de um servidor de back-up não custará mais de 1000 €/mês, e também este valor me parece exagerado uma vez que apenas se armazenam dados de texto.

O que mais poderá precisar uma agência nacional?, de pagar uma avença a um contabilista (250 €/mês)?, de um único funcionário cuja função seja responder a dúvidas e supervisionar a informação introduzida (certamente que se consegue alguém que não aufira um ordenado enorme, aliás nem precisa de ser um funcionário especializado, basta alguma inteligência e proficiência e com isso até se garante que a atribuição de ISBNs durante o período da Feira do Livro de Lisboa não sofra atrasos!)? A minha imaginação não me consegue descobrir muitos mais custos a não ser que a APEL cobre  à Agência Nacional de ISBN a água, luz, net, telefone, secretária e cadeira por estar a usá-los dentro das suas instalações mas essa, no meu entender, bem poderia ser a contribuição da APEL. Ainda assim contemple-se um valor para imponderáveis na ordem dos 500 €/mês. Todo este investimento fica muito muito abaixo do valor global calculado em cima do número de ISBNs pedidos anualmente.

E poder-se-ia cobrar um valor de, por exemplo, 2 € por ISBN para os associados e 4 € por ISBN para os não associados (esquecendo a parvoíce dos descontos por quantidade) e, para cobrir os custos do arranque, bastaria que a inscrição no site para pedir automaticamente ISBN's em 2015 custasse uns 15 € por entidade solicitante (relembrando que cada chancela activa conta como entidade).

Isto para mim seria uma solução positiva e um mal menor, já a forma como a APEL apresenta a sua solução parece-me absurda e sobretudo muito injusta para pequenos e médios editores.

Sinceramente - e agora mais do que nunca - deixo em cima da mesa a questão sobre o estatuto de utilidade pública da APEL. Não me parece que esta Associação Profissional represente sequer um sector por inteiro e certamente não são as missões de representação em duas ou três feiras profissionais (em representação dos seus associados, porque os para os outros as condições são diferentes) que justificam por si o estatuto. Se alguma coisa havia que podia ser de utilidade pública era a atribuição dos ISBNs mas tratando-os agora a APEL como produto comercial e renunciando ao estatuto de utilidade pública ao fazer diferenciação entre sócios e não-sócios, o que resta? Mas isso é assunto para outras andanças

Faz muito mais sentido neste momento (até porque se pouparia na questão de aluguer de equipamentos informáticos, servidores, etc.) que seja a BNP a assumir a Agência de ISBN à semelhança do que acontece em vários países nomeadamente o Brasil. Em alternativa o Arquivo Nacional da Torre do Tombo serviria de forma igualmente perfeita e em ambos os casos de forma bem mais adequada.

14 comentários:

  1. A única perspetiva aceitável para a Agência de ISBN é a de ser um serviço de utilidade pública. Assim sendo:
    1. a nova tabela de preços da APEL, parece vir a gerar muito mais receitas do que as necessárias para financiar um serviço simples como o da atribuição de ISBNs, o que contraria a noção de serviço público, em que as receitas previstas deverão ajustar-se aos custos operacionais, não gerando lucros ou perdas significativos (seria interessante, para a discussão, se a APEL divulgasse os seus custos operacionais com a atribuição de ISBNs, a subvenção que recebia do Estado e que perdeu, bem com a sua projeção de receitas pela aplicação da nova tabela).
    2. A estrutura da nova tabela discrimina entre editores profissionais e não profissionais, entre sócios da APEL e não sócios, e entre utilizadores de grande volumes e utilizadores de pequenos volumes, o que parece, também, ser incoerente com a noção de serviço público, pois a atribuição de um ISBN não parece ter variações de custo significativas entre cada uma destas categorias e não se vislumbram razões para que uns subsidiem os outros.
    Seja por intenção de lucro, por reduzida eficiência na prestação do serviço ou por desejo de privilegiar os seus associados, a APEL, na sua função de Agência Nacional de ISBN, não estará a prestar adequadamente um serviço público ao cobrar as taxas previstas na nova tabela. Assim sendo, aceitamos que haja intervenção do Estado, assumindo a prestação do serviço (BN ou Torre do Tombo, como sugerido), ou regulando-o (uma vez que não existem alternativas à disposição dos editores, ou seja é um "monopólio") ou concessionando-o em concurso público.
    A questão que se coloca é a quem e como apresentar uma reclamação?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro João, totalmente de acordo com o pedido que expressa no final do seu primeiro ponto.

      No que toca à noção de serviço público, parece que, como em muitas áreas em Portugal, quando o Estado deixa de subsidiar deixam de ser áreas de serviço público. Não me admira vir a ouvir agora que não é um serviço de interesse público mas apenas sectorial (quando tenho a certeza que nas discussões com a Secretaria de Estado da Cultura há-de ter sido invocado o interesse público ad nausea). Imagino que a reclamação possa ser apresentada à Agência Internacional de ISBN e à Secretaria de Estado da Cultura. E dever-se-ia efectivamente colocar a prestação do serviço a concurso ao qual deveriam poder candidatar-se quaisquer organizações sem fins lucrativos ou aceitar-se a criação de uma OSFL precisamente para esse fim.

      Eliminar
    2. Caro Hugo,
      Estive a pensar um pouco e parece-me que uma reclamação individual de pouco valerá junto da APEL, da Agência Internacional do ISBN ou da Secretaria de Estado da Cultura (ou da Autoridade da Concorrência, por se tratar de um monopólio, ou da DG Concorrência, da União Europeia).
      Mas um carta enviada por um grupo de signatários e/ou um abaixo-assinado online, teria muito mais impacto.
      Vamos redigir um pequeno texto para esses fins?

      Eliminar
    3. Concordo com a solução, João. Eu neste momento não estou no activo (devo ser um editor não-profissional? ou um editor doméstico?) pelo que não serei a pessoa indicada para coordenar uma acção do estilo mas estou certo que outros editores há que irão certamente avançar. Chamo aqui o Nuno Seabra Lopes ao barulho. E eu serei signatário, claro.

      Eliminar
  2. O leitores estão com receio que as editoras aproveitem isto para aumentarem ainda mais o preço dos livros e depois digam que a culpa é do sistema de ISBN... Cada vez vejo menos pessoas a lerem em português e depois o sr da APEL ainda tem a lata de dizer que a culpa é das gráficas que pirateiam livros... Mas a verdade é que graças à APEL deixou de haver feira do livro no Porto e agora isto... Pequenos editores e autores independentes estão à nora com esta tabela muito injusta :| O Smashwords e a Amazon criam um ISBN próprio para os ebooks que se publicam lá. Ou se começa a mudar tudo para ebooks ou enchemos os bolsos desta gente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bem Adeselna, há alguns pontos que refere com toda a razão mas há outros que estão um pouco misturados. Em primeiro lugar os livros estão cada vez mais baratos a ponto de os editores não terem rendimento para fazer o livro seguinte. Posso dizer-lhe que o preço médio do livro em Portugal está mais baixo do que há muitos anos. Por outro lado não ouvi o comentário sobre as gráficas piratearem livros mas sabe-se bem que muitos editores fazem edições ilegais ou aldrabam nas tiragens. Gostaria de saber como é que as gráficas pirateiam sem terem canais de distribuição mas algum fogo haverá por trás do fumo. Relativamente ao ISBN é uma norma internacional que permite a existência de um catálogo universal de publicações. Já os ASINs e outros códigos são códigos internos de uma livraria, códigos de produto para identificação dentro do sistema informático da livraria. Por último será ridículo que alguém justifique esta alteração para subir o preço dos livros. Estamos a falar de 10 a 15 € divididos entre custos médios de produção para um livro de, por exemplo 200 pp. de cerca de 3500 €.

      Eliminar
  3. Uma nota muito rápida para pedir que não se faça a confusão entre o ISBN enquanto norma universal de catalogação (sobre cujo sistema estão construídos quase todos os catálogos bibliográficos do mundo) com qualquer tipo de utilização comercial. A utilização do ISBN ou da sua forma visual (código de barras) pode ser comercial ou não caso seja usada por uma biblioteca, um centro de investigação, uma livraria ou uma pessoa que através, por exemplo do seu telemóvel possa fazer a indexação da sua biblioteca.

    Volto a dizer: é uma norma, não é uma imposição, uma lei ou uma regra. Com a devida proporção, compare-se por exemplo com a Carta Universal dos Direitos do Homem: é o estabelecimento de uma linguagem comportamental única que não impõe mais nenhum outro tipo de norma: não nos diz que o livro tem de ter o formato xis ou que tem de ter texto, não, nada disso, é uma linguagem comum de identificação de um registo universal (por exemplo www.worldcat.org) que permite que um estudioso Malásia possa, por exemplo, procurar todos os livros sobre o estilo de natação de Camões (com um só braço que o outro segurava o manuscrito).

    O pedido desta nota é, pois, para que não confundam a ideia com as utilizações e as entidades sobretudos quando estas parecem investi-lo de uma qualidade comercial que não tem.

    ResponderEliminar
  4. Colo aqui ipsis verbis o comentário do Álvaro Gois Santos em resposta à reprodução deste texto no Facebook: "E que se pode fazer para evitar isto? É escandaloso.

    Não se pode criar uma associação só para gerir os ISBN, eliminado esta perversão de ter uma associação de editores e livreiros a cobrar numa área em que os seus associados são parte interessada?

    E os custos apresentados nesta proposta alternativa são certamente mais baixos que os que os assinalados no texto. Os 1000€ de servidores pagam 2 anos. O desenvolvimento de uma aplicação web para fazer a gestão não custa mais de 10000,00 euros. Um funcionário para fazer a gestão teria um custo nunca superior a 20000,00 euros por ano."

    ResponderEliminar
  5. O que mais me choca é mesmo a aplicação de uma lógica comercial, beneficiando precisamente aqueles que têm menos necessidade devido à sua dimensão. Ou seja, aos grandes grupos, para os quais o custo do ISBN vai ser residual, proporciona-se um desconto, enquanto as pequenas editoras, autopublicação ou projectos sem fins lucrativos têm de pagar o montante na íntegra.

    Parece-me também um montante excessivo para tratamento de dados, tendo em conta que o requisitante fornece a informação necessária tanto no acto da requisição, como após o recebimento do ISBN, através do preenchimento da folha de recolha de dados.

    ResponderEliminar
  6. Projecto de resolução do Bloco de Esquerda:
    http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770794d5445344e79315953556b755a47396a&fich=pjr1187-XII.doc&Inline=true

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Lida a proposta do Bloco de Esquerda, nela são focados alguns motivos e algumas razões, a maior parte das quais de inteira justiça mas não foram focados os problemas mais ridículos da tabela da APEL como a variação de preços. Não me pareceu devidamente destacada a importância do ISBN no contexto internacional dos sistemas de catalogação dos quais é a base quase universal. Faltou também, reconhecido que a APEL não apresenta justificação para os valores que determina, exigir que a Agência Nacional de ISBN apresente as suas contas publicamente e que seja também tornado público o regime em que a Secretaria de Estado da Cultura e anteriores Ministérios tutelares facultavam apoio financeiro. Qual era o peso do apoio na operação? O que estava determinado contratualmente que este cobrisse e o que realmente era despendido pela Agência Nacional. Por último faltou sobretudo saber o que fazer do estatuto de utilidade pública da APEL sem o serviço gratuito de ISBN (ou com um serviço pago e com distinção de valores).

      Eliminar
  7. Redigi um esboço de texto que poderia ser colocado como "abaixo-assinado" na Internet para depois ser enviado à APEL.
    O principal objetivo é conseguir uma tabela de preços ajustada aos custos, é conseguir que os custos sejam o mais baixos possível e que não haja discriminação entre editores. Se a APEL estiver disponível para o fazer, será melhor e mais prático, por evitar alguma confusão na transição. Se não, o Estado, em colaboração com a Agência Internacional do ISBN, deverão intervir.
    O texto está neste link:
    https://www.dropbox.com/s/xgy20qvj390ndor/Reclama%C3%A7%C3%A3o%20APEL.pdf?dl=0
    Os vossos comentários servirão seguramente para melhorar muito o texto.

    ResponderEliminar
  8. Da minha parte subscrevo inteiramente o texto do João Máximo.

    Lamento a minha ausência desta discussão (motivada por trabalho em excesso) mas concordo com a maioria do que foi, informadamente, dito.

    Tanto na qualidade de consultor editorial como de editor profissional observo esta alteração como incoerente. Gosto pessoalmente de muitas das pessoas que «trabalham» na agência em Portugal mas não é por isso que suspendo uma atitude crítica.

    Não consigo, no entanto, descolar esta alteração «orçamental» da perda das receitas da FL do Porto (tanto de inscrições como do investimento nos pavilhões). Espero que isto não seja apenas aquilo que parece: uma forma enviesada de conseguir equilibrar as contas da APEL à custa de todos nós.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu até ter confirmado o valor que a SEC dava à APEL, temo que nem seja preciso ir tão longe, creio que estes valores contemplam uma simples substituição de um apoio Estatal que seria desde logo excessivo.

      Eliminar