O tempo de férias foi
propício à reflexão sobre importantes notícias que, mais uma vez, agitam as
águas do mundo editorial deixando perceber que estão em curso novas
transformações relevantes, e com implicações que não podem deixar de nos
inquietar. Para simplificação de raciocínio, centro-me nas informações que vão
chegando sobre os movimentos que se registam no universo Amazon, e naqueles que a partir da fusão entre a Penguin e a Random House se perspectivam
no domínio dos grandes conglomerados editoriais.
As posições críticas que tenho manifestado relativamente à
entrada de empresas tecnológicas (Amazon, Apple, Google) no mercado do livro,
nomeadamente ao afirmar que estamos perante “… a intrusão de novos players que, estando no negócio
editorial e livreiro, não estão no mercado da cultura…”, estão necessariamente
presentes nas minhas apreensões relativamente ao futuro da leitura,
independentemente do suporte físico que venha a predominar - impresso ou
digital.
Neste contexto, não me
surpreendem os artigos e notícias sobre a Amazon que surgiram nas últimas
semanas: «New Amazon Patent Seeks to Add “DVD Extras” to eBooks» (artigo de
5/7/2013, publicado por Dean Fetzer em http://litreactor.com/);
«Monopoly achieved: An invincible Amazon
begins raising prices» (artigo de 8/7/2013, publicado por Alex Shepphard em
http://www.mhpbooks.com/); e «Washington Post vendido ao fundador da
Amazon» (notícia de 5/8/2013, em http://www.publico.pt).
Tudo se encaixa numa estratégia da Amazon, que oportunamente considerei
“…de promoção e liderança da edição digital, que lhe seria bastante mais
rentável do que o logisticamente complexo e oneroso comércio electrónico de
livros impressos”. No entanto, o bem-sucedido desenvolvimento de conteúdos
editoriais próprios e o estabelecimento de parcerias com editores de referência,
associado ao encerramento de prestigiadas livrarias independentes e ao desmantelamento
de importantes cadeias de livrarias, fazem crer que a Amazon pretende ir mais
longe na sua estratégia e constituir-se como temível candidato à liderança do
mercado editorial e livreiro, também no domínio do livro impresso.
À luz desta evolução, compreende-se
melhor o porquê dos grandes movimentos de concentração iniciados com a fusão
Penguin-Random House, à qual, conforme «This
is what the publishing industry will look like if the Big Six become the Big
Four» (artigo de 20/11/2012, publicado por Zachary M. Seward em http://qz.com/), se poderá seguir a consolidação entre
os já de si gigantes HarperCollins-Simon & Schuster, e vir mesmo a provocar
a reacção da Hachette e uma subsequente passagem a Big Three. As consequências
não se limitarão aos efeitos referidos em «The Victims of the Penguin &
Random House Merger: Literary Agents» (artigo de 27-11-2012, publicado por Ella
Delany em http://www.thedailybeast.com/).
Estamos perante o contra-ataque dos grandes grupos editoriais,
legítimo, mas tendente a agravar a já de si desequilibrada relação de poder
face aos editores independentes; são também evidentes os riscos de a edição literária
sofrer uma ainda maior degradação em favor do predomínio de bestsellers de literatura ligeira, e de a
diversificação e pluralidade da oferta se verem substancialmente reduzidas. O cenário apresenta-se
pouco risonho. O que não é novidade. Nos cinco séculos de vida da palavra
impressa, têm sido muitas as ameaças de sobrevivência consideradas fatais para
o futuro do livro e da leitura, incluindo a antevisão feita há uma centena de
anos anunciando que… a então aparecida bicicleta ditaria a morte do livro!
Mas o livro tem uma
magia especial. Citando Padre António Vieira: “O livro é um mudo que fala, um
surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive”. E lembrando palavras
proferidas por José Saramago em Outubro de 1995: “É do leitor que todos nós
dependemos e crise, se houver, é da leitura. Só há crise da leitura se houver
crise de curiosidade, se o ser humano se transformar num ser sem essa espécie
de «bexiga incómoda» que é a curiosidade que nos vai levar a saber um pouco
mais do que aquilo que sabíamos.”
Na conjugação destas
duas citações, encontro o ‘espírito do livro’. É aqui que vejo o potencial de resposta
aos desafios que antes enunciei. Acredito que a curiosidade humana é
inesgotável e a cultura da palavra escrita permanece viva nos leitores,
autores, editores e em todos quantos vivem no mundo dos livros. Estou convicto
que, nesta guerra sem quartel, sairão vencedores os que melhor interiorizarem a
aventura que cada livro constitui. Não forçosamente os maiores, mas os
melhores.
Duvido que a
‘amazonificação’ prevaleça, acredito no sucesso de grupos editoriais que
integrem e respeitem os valores do livro, e estou convicto que se manterá a
importância de editores independentes que tenham arte, e competência, para
fazer valer uma relação personalizada com autores de relevo, em simultâneo com
critérios editoriais de excelência, chancelas de prestígio, comunicação eficaz,
uso apropriado das potencialidades digitais, e partilha efectiva de serviços
logístico-administrativos.
Ótimo artigo, do qual estou plenamente de acordo. Acrescentaria o facto de a «mundialização» da ação Amazon» levar a que haja uma muito mais rápida hiperconcentração editorial que afete também mercados periféricos como o nosso.
ResponderEliminarQuando a guerra é mundial, todos os países são importantes e para que os Grupos não «permitam» que a Amazon se «estabeleça» no mercado de língua portuguesa irão obrigar-se a um esforço acelerado de aquisição no Brasil e, em alguns casos, em Portugal, assim como já está a acontecer em Espanha.
Obrigado, Nuno, pela apreciação que faz.
ResponderEliminarConcordo plenamente com a sua antevisão dos efeitos extensivos que a hiperconcentação editorial em curso vem ganhando, e a hipótese que venham a fazer-se sentir em Portugal. Julgo mesmo que se trata apenas de uma questão de tempo/oportunidade. E talvez não esteja errado, quando prevejo que os grupos portugueses que se constituíram e cresceram sem uma raiz editorial, estarão mais vulneráveis perante o eventual interesse de grupos internacionais.
Por experiência própria, acho que nem tudo será necessariamente mau se tal vier a acontecer. Tudo depende do código de conduta que sigam.
AMAZONIFICAÇÃO é que... NÃO, OBRIGADO!
Por algum motivo a Amazon.com.br só se dedica a e-books (por enquanto).
ResponderEliminar