12/19/2012

Escolher um livro para uma criança

O que leva alguém a optar por um ou outro livro para crianças? Melhor começar pelo princípio... Quando procuramos um livro para nós, o que queremos, esperamos? O livro terá de satisfazer a nossa fantasia, gosto, cultura, expectativas, desejos, Quando procuramos um livro para oferecer, além de nos tentarmos colocar no lugar do outro, temos o desejo de agradar, de dar algo de nós, de criar no outro uma recordação, uma memória nossa. Casos há ainda onde se junta pouca familiaridade com o presenteado, questões familiares, diferenças de status... E se uma parte considerável dos livros é adquirido como uma prenda, no caso dos livros infantis isto é ainda mais verdade. E o que acontece quando compramos um livro para uma criança? A pedagogia e a didáctica surgem sempre, expectativas, capacidades intelectuais e emocionais da criança (sejam reais ou não), história pessoal, pesadelos nossos e delas. E quando as crianças não são nossas? Quando somos tios, amigos... ou avós? Ainda estamos a oferecer à criança ou aos pais?

Compramos um livro para nós e construímos um mundo, que está no seguimento (ou numa ruptura controlada) com a nossa história pessoal e a nossa história de leituras. O que fazemos ao comprar um livro para uma criança ou um jovem? Se conhecemos bem a criança algo que está no seguimento das suas leituras. Idealmente. A verdade é: queremos a nossa infância e juventude de volta e é isso que queremos comprar, é isso que queremos oferecer. Queremos o que lemos e nos fez felizes. Nenhum problema. Em parte é assim que se cria um clássico. É como quando narramos uma história tradicional, um conto de fadas. Construímos uma tradição literária como construímos tudo o resto. Nada de novo aqui. Procurem blogs sobre livros infantis e comparem as referências a edições novas com as reedições e vintage. As novidades tendem a estar nos blogs de design.

O livro pode até ser um clássico da literatura/ilustração infantil e posso apresenta-lo ao cliente como tal, mas, se só foi editado em Portugal agora, o cliente tende a tratá-lo como uma novidade, a menos que consiga criar um paralelismo com o seu reportório/catálogo pessoal.

Não há inovação, então? Há inovação, claro que sim. Mas no universo infantil ela é mais lenta e não deixa de estar a par do resto, especialmente de qualquer resistência que haja. E se o público está, vamos dizer, “zangado” com a arte contemporânea, porque havia de a aceitar como forma de representação no livro infantil? E se ninguém quer ouvir falar dos quatro cavaleiros do apocalipse nem de sexo, porque os aceitariam como tema? E o gosto? O gosto artístico próprio de cada um e de cada cultura? As pessoas aceitam rupturas e mudança, mas com tempo, e conforme as vão ajustando ao seu reportório.

Mas o mercado mudou de qualquer forma. O tempo é mais rápido também o é a mudança. O facto é que o público está mais receptivo, apesar de tudo. A crise pode até conseguir que se vendam livros de capa mole, coisa que é difícil (o facto da maioria dos livros ser para oferta cria essa peculariedade do mercado, isso e a bibliofilia).

E o que vende estes livros novos? Para já uma insistência na formação de professores e educadores; formação dos pais; sites, blogs e revistas especializadas; redes sociais; secções infantis dos suplementos culturais; mediadores de leitura; marketing (também); livreiros pacientes e perseverantes. E a qualidade.

O cliente nem é parvo nem é cego. Sabe o que quer. Temos muita dificuldade em aceitar que o público recuse alguns temas, representações ou faça surgir questões mesquinhas. Mas está no seu direito. No geral reconhece qualidade, mas pode não querer o livro, basta que não o reconheça  como “apropriado” a crianças. E dentro daquilo que ele quer o livreiro pode e deve privilegiar a qualidade quando lhe mostra hipóteses. A frase, a imagem, o conjunto perfeito de texto e imagem, a punch line. Têm de ser os livreiros encontrá-la, para depois a poder mostrar. A proposta é aceite? Às vezes. Outras não. Depois tenta-se outra vez. E teremos respostas como o referido “É bom mas...” e do “Isto é para crianças? Mas de que idade?” ou mais categórico “Ai, desculpe mas isto é para adultos”, e  “Não levo para dar, é um risco”, e do egoísta “Levarei para mim”, sem esquecer “Já tem oito anos, queria uma coisa sem imagens, queremos que se esforce”, “É um rapaz isso não serve, demasiado rosa ou o herói é uma heroína”, “É muito/é pouco”, e o mais do que esperado: “É caro”. Depois tentamos outra vez, mais tarde. Tentamos todos. Estas resistências e reticências não são específicas do mercado português, trabalhei sempre em livrarias que têm como clientes cidadãos estrangeiros, e há excepções, mas no geral são tanto ou mais conservadores que os portugueses, com reticências ao texto e à imagem semelhantes.  Não é um problema “nosso”, tem características que são nossas.

Ana Rita Rua Fernandes, licenciada em História da Arte e pós-graduada em Livro Infantil é livreira, sempre nas Livrarias Bulhosa, desde 2002.

1 comentário:

  1. Apesar de reconhecer a intemporalidade dos clássicos, gosto mais de oferecer coisas atuais. Aprecio muito as sugestões de Andreia Brites.

    Já agora, Ana Rita, diga-me: considera "O Principezinho" um livro infantil? E, se sim, a partir de que idade?

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