12/27/2012

Hoje, a pirataria prejudica os autores?

Sofia, chateia-me não ganhar dinheiro que podia/merecia ganhar. Portanto, sim, a pirataria prejudica. Mas chateia-me ainda mais não ser creditado pelo meu trabalho. Se o for, dói menos. Penso que a pirataria de larga escala, prejudicial, acontece aos filmes americanos e, na América latina, aos Garcia Marquez e aos Luís Sepúlvedas deste mundo. No meu caso, sinto-me mais espoliado quando o editor não reparou sequer que ainda está a gerir os direitos de um livro meu. Repito: sinto-me mais roubado quando um editor não se dá conta de que ainda está sob contrato - e continua a haver a ideia de que o contrato é unilateral. Por isso sou contra manter contratos de cinco anos - já não fazem sentido, num tempo em que a esmagadora maioria dos livros dura menos que uma revista num quiosque. Em muitos lados, o autor ainda é visto como um turista amador (e, já agora, com fazenda de família) que fica deslumbrado por ter o nome na capa.

Há também o caso de editores que se comportam como piratas: mais de dez anos depois de ter acabado o contrato, a editora X (não vou por pudor nomear aqui) continuou a vender os meus livros, a actualizar preços, ao mesmo tempo que se mantinha amuada comigo por eu ter ido para outras paragens mais respiráveis. Não os levei a tribunal porque não tenho advogado 24hs/24 ao meu serviço.

Actualmente só faço livros e ponho posts no FB. Ao dar palestras e trabalho de borla para câmaras municipais e câmaras de tv e empresas privadas, prefiro estes últimos, e gosto que sejam «syndicated» - já gostarei menos se, como já aconteceu na Alemanha, alguém pegue nas minhas ideias e palavras aqui para pôr num livro, presumindo erradamente que escrever aqui ou num blog é terreno baldio que pode ser «privatizado» por espertos.

Há uns cinco anos publiquei uma crónica sobre «Mulheres» num jornal. Recebi 50 euros. Depois a crónica foi reproduzida por alguém num blogue (até com erros de português) e tornou-se, à nossa escala, viral. Este ano inseri-a na nova edição do meu Luto pela felicidade dos portugueses (ed. Planeta). Acho que beneficiei: ganhei leitores e potenciais compradores. É um caso em que o «ups, servi-me» resultou. Não sei se podemos chamar pirataria a isto. Ou então podemos apartar pirataria para consumo individual e pirataria empresarial.

Por isso, em balanço: a pirataria é chata, sim, sobretudo se for predatória e em larga escala, mas num sistema doentinho, desde que credite o autor, até nem vai muito ao bolso, pelo contrário, pode manter o autor vivo nos corações dos portugueses e, mais importante ainda, das portuguesas.

Rui Zink
(texto inicialmente publicado como resposta a uma pergunta de Sofia Bucholz, no seu Facebook)

1 comentário:

  1. Aqui há uns anos o Paulo Coelho publicou um dos seus livros na Rússia ao mesmo tempo que o pôs acessível online. Resultado : em vez de vender um milhão de livros, vendeu 10 vezes mais... (?! não me lembro já onde vi estes números, mas é vero).
    Para os textos nados e criados na net há hoje a licença creative commons, que protege os direitos de autor e beneficia o "capital cultural", evitando a pirataria (só não dá dinheiro ;)

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