CIDADE EM CHAMAS
Garth Risk Hallberg
Teorema/ LeYa, 29,90€
Editora: Carmen Serrano
Tradutora: Tânia Ganho
Revisão: Rita Almeida Simões
Capa: Rui Garrido
Produção Multitipo
Este será, provavelmente, uma das principais apostas
de tradução do Grupo LeYa para o Natal de 2015. Trata-se de um livro fenómeno
nos EUA e que traz com ele uma expectativa rara para um autor sem qualquer
plataforma em Portugal, acarretando um elevado risco comercial para quem o
publica, em especial pelo muito provável avanço que terá sido pago para a
obtenção dos direitos de publicação em Portugal. O risco observa-se, também, pelo número de páginas da
obra (1000!) em texto corrido, e pelo tema, a Nova Iorque do final dos anos
1970, marcada pela degradação urbana e pela grande disparidade económica
existente dentro desta megalópole (hoje em dia é mais simples, só os ricos lá
vivem...).
Em termos de conteúdos, observa-se um forte trabalho
de editing sobre a obra original
(inglês dos EUA) de forma a tornar este livro um livro “de leitura” e não uma
obra literária no sentido europeu do termo, o que poderá revelar que o original
se encontraria “aborrecido” em algumas partes e a necessitar de trabalho de
dinâmica – a crítica literária nacional que se dedique a essa parte. Vemos capítulos
curtos, tentativa de criar dinâmica de ação, linguagem direta e recurso a
discurso direto para fazer avançar o enredo, várias personagens que se
intersecionam, para manter uma leitura fluida e rápida. Um livro que, apesar do
tamanho, deverá poder ser lido pela generalidade do público (leitor) com
agrado, pelo menos no que ao trabalho de editing
diz respeito.
Não tendo lido a obra na sua grande maioria, nem tido
acesso ao original em língua inglesa, posso desde já indicar que a tradução
parece comprovar a elevada qualidade a que a Tânia Ganho, tradutora já de créditos
firmados, nos tem habituado. De uma forma sucinta, e sem querer esquecer o
trabalho que a editora e a revisora possam ter tido neste resultado ̶ tanto
que os “Interlúdios” foram traduzidos por outras duas pessoas, entre elas a
revisora ̶, o texto mantém uma
experiência bastante agradável de leitura. Apesar de cada leitor preferir
diferentes estilos de tradução ̶ mais próximos da língua de partida ou da
língua de chegada ̶ este texto parece manter algum equilíbrio,
aproximando-se mais da língua de partida (marcas ligeiras de literalidade) sem,
no entanto, causar estranhezas ao leitor português. Acima de tudo, mantém o
discurso direto com a fluidez necessária, e não se observam complexificações e
distorções do discurso mantendo algumas características de leitura próximas do
original. Para a tradutora e para a editora e a revisora, os nossos sinceros
parabéns, em especial devido à complexidade que a obra parece acarretar, com
elevada variabilidade de discursos.
Uma nota menos positiva para o papel utilizado, onde o
aparente recurso a um Munken Pure creme 80 (não tenho a certeza, indico-o só
por observação direta), muito provavelmente por obrigatoriedade de grupo e
compra em escala, acaba por trazer vários problemas de opacidade e perda dos
fundos, em particular nos já referidos “Interlúdios” que vão surgindo ao longo
do livro. Da mesma forma o recurso à fonte manuscrita (que deverá vir do
original) poderia ter sido trabalhado para iludir o efeito, não usando preto a
100%. O layout interno e a paginação são bastante boas e geralmente cuidadas, em especial tendo em
conta a relativa complexidade de fontes que vão surgindo no livro. A produção
não tem qualquer problema a apontar. Bem impresso e acabado, sem erros
visíveis.
O plano de capa parece ser o espaço para maior
diversidade de opiniões, pela complexidade da imagem e cores usadas e, em
particular, pelas opções de comunicação. Uma abordagem arriscada que, no meu
entender, resultou graficamente bastante bem (opiniões divergem, no entanto),
tendo, ainda assim, problemas de alguma gravidade. Em termos de design, a
referencialidade do livro e do tema estão presentes, assim como a diferenciação
gráfica no ponto de venda, um título capaz de aguentar thumbnails (apesar de causar dúvidas iniciais de leitura,
comprova-se eficaz na leitura à distância) e bastante bem conseguido no
conjunto da capa, com destaque muito positivo também para a lombada.
A nota crítica surge no entanto para o descuido nos
elementos de leitura e comunicação. O nome do autor quase não tem visibilidade
(apesar de ser um novo autor, recordemos que este é o principal motivo de
atração para a crítica e, logo, para os leitores fortes que irão procurar o
livro. Afinal de contas um livro de 30€ e 1000 páginas não é para compra de
impulso...). Da mesma forma, existe um descuido elevado na colocação dos logos
que estão quase anulados (quer pelo tamanho diminuto do símbolo gráfico na
lombada, quer pela quase total falta de leitura da marca na capa). Opção errada
também no recurso a uma fonte excessivamente bold na contracapa, que prejudica a leitura a olhos mais cansados. O
autocolante de endorsement da capa
também surge de forma excessivamente forte, com uma linguagem gráfica que
destoa (na imagem acima essa questão já se encontra resolvida).
A biografia de segunda badana é sucinta, mas calculo
que para um autor destes não seria possível fazer melhor e os endorsements de primeira badana são, na
sua maioria, inúteis no formato em que estão. Referências não significativas de
pessoas desconhecidas para o mercado português, demasiado compridas e que se
confundem em propósito com o texto de contracapa ou a crítica futura. Ou seja,
não conseguem transmitir claramente uma mensagem de qualidade. A título de
curiosidade, no site da LeYa (claramente o melhor dos sites em termos de
conteúdos de comunicação, com cuidado na elaboração das sinopses e biografias,
por exemplo) os mesmos endorsements
aparecem sucintos e bem mais trabalhados, anulando informação desnecessária e
funcionando corretamente para o mercado português.
De uma forma global, esta é uma capa excessivamente
marcada pelo design e menos pela comunicação/ edição.
O preço da obra parece-me elevado para o livro em
questão e um fator claro de restrição das vendas, mas calculo que para uma obra
com estas características deverá ser difícil fazer melhor. Recordo só que este
é um livro que depende excessivamente da comunicação especializada e da
visibilidade inicial no ponto de venda para começar a «rodar», tendo
características de word of mouth
muito difíceis de funcionar em Portugal (falta de empatia com o tema do livro e
dimensão do texto face aos hábitos de leitura nacionais), podendo ser um livro
mais comprado do que lido, o que revela um elevadíssimo risco comercial, mas o 2666 de Roberto Bolaño também tinha essas
características e, no entanto, resultou.
Em resumo, uma obra recomendada para todos os leitores
habituais, bem cuidada e editada, que merecia alguma atenção adicional ao plano
de capa.
Nuno Seabra Lopes, editor e consultor editorial
Assim muito sucintamente: a capa é banalissima de Lineu; o tema do livro não vai pegar porque não temos paralelos com aquela realidade naquela altura nem, em alternativa, há uma grande implantação dos estereótipos cinematográficos/televisivos americanos de referência; o papel deve ser Coral book mas não estou certo.
ResponderEliminarSim, a capa não é brilhante, mas em termos de imagem é interessante e agrada-me, se descontar os inúmeros problemas que refiro.
EliminarSim, o tema também torna o livro mais do que arriscado, em especial porque o livro conta com os leitores fortes para dar o segundo impulso (depois da imprensa). Em termos de referências, só me recordo do Taxi Driver meets A Fogueira das Vaidades, apesar desse ser já mais tardio :-).
Coral, talvez. Confunde-me pela textura, mas é provável, até pelo preço.
Nuno, obrigado! Dois comentários:
ResponderEliminar1) É generoso e provavelmente justo o teu elogio à tradutora, e é um bom princípio. Acredito, conhecendo a Tânia Ganho, que a tradução seja boa. Só que, não conhecendo tu o original... Uma sugestão: da próxima vai à Amazon, onde geralmente podemos ler as primeiras páginas.
2) A capa parece mesmo ser um tremendo equívoco, sobretudo tendo nós lido a entrevista-artigo da Isabel Lucas.no Ípsílon do Público. Há uma lenda de há muitos muitos anos com uma capa para um romance da Lídia Jorge. A tua comparação com a comunicação no site deixa presumir que o factor tempo - o nosso maior pecado enquanto gente da edição e, já agora, seres vivos - prejudicou a boa badanação. (Não estás à espera que te dê nota, pois não?)
Rui (Tedibera), concordo quando referes a questão da tradução, daí que tenha tido o cuidado de ter colocado a referência de não ter tido acesso ao original e de, mais importante ainda, fazer a minha análise somente na perspectiva de experiência de leitura do original traduzido.
ResponderEliminarE sim, presumo que o factor tempo possa ter afectado, mas parece-me mais "medo da badana vazia". :-)