4/10/2013

O Livro e a Leitura num Mundo Digital


Numa época em que o digital é parte integrante do dia-a-dia das pessoas, há questões que se colocam quanto ao futuro do livro como livro, dos diferentes géneros e da leitura. Será que daqui a cinquenta anos ainda se lerão romances? Se os livros em formato papel deixarem de existir completamente, como serão escritas e publicadas as histórias do futuro? Continuarão a ser textos longos, com duzentas e trezentas páginas? Fará algum sentido pensar-se em páginas? Ou será que as possibilidades do digital mudarão de maneira irreconhecível a forma como se escreve e se leem histórias? Seria um processo natural. A escrita tem sido influenciada desde o início pelo seu suporte – primeiro a pedra, depois o papiro e o pergaminho, depois o papel e a impressão, e por fim o computador e a internet.

Até a forma como um escritor planeia e escreve as suas histórias poderá ser muito diferente. Um autor do século XVIII e um autor dos meados do século XX encaravam desafios diferentes na sua escrita. A mudança da pena para a caneta para a máquina de escrever e para o computador alterou irrevogavelmente processos de escrita. O acesso a recursos como dicionários, enciclopédias e informação noticiosa também terá tido algum impacto e continuará a ter no futuro. Haverá hoje quem não escreva na totalidade os seus livros diretamente no computador? Certamente que serão muito poucos. Isso terá algum tipo de influência no seu modo de pensar uma história e de contá-la? Será possível comparar notas de escritores do século XVIII com as de escritores do século XXI e verificar a diferença? Estas são questões que abrem um tema de debate com muito por explorar.

E os leitores? No século XXI, não havendo as restrições da impressão em papel, o formato tradicional poderá já não se ajustar a este novo mundo do digital. Em vez de comprar e-books com uma narrativa fechada, típica de um livro físico, o leitor poderá ter a possibilidade de subscrever uma história que pretende seguir, e cujos capítulos são publicados durante um período de tempo até aquela história se concluir, como episódios de uma série semanal. Não seria nada de novo, muitos livros nasceram assim, a partir da publicação de excertos em jornais ou em fascículos. Contudo, talvez faça todo o sentido na exploração das potencialidades destes novos suportes digitais a médio prazo.

Por outro lado, os leitores poderão deixar de se interessar por histórias longas e preferir ler narrativas mais pequenas, com ilustrações no texto, e até sons. As novelas gráficas poderão expandir-se no digital, tal como a poesia e o conto, atraindo mais leitores ao aliar texto, com imagem, com todas as funcionalidades que o digital permite. Em que medida é que isso irá alterar para sempre os géneros que reconhecemos hoje como romance, novela, conto, poesia?

Atualmente verifica-se a proliferação de histórias interativas nas lojas de apps para smartphones e tablets, pelo que esse poderá ser um requisito obrigatório no futuro – a integração do leitor no desenvolvimento do enredo e na sua conclusão, levando a uma experiência única de leitura, diferente para cada um. Isto é válido não só para livros infantis, como para histórias para adultos. Neste tipo de narrativas um escritor tem de se associar a outros escritores e até a outros artistas e técnicos para formarem uma equipa que consiga dar resposta às necessidades que tem um conto interativo, tanto ao nível de conteúdo, como também ao nível de design e multimédia. O que é que isso significa para o escritor?

É possível pois que surjam novos e diferentes géneros à medida que o uso de um suporte digital para leitura se vai tornando corrente e os autores se vão adaptando às tecnologias para criar diferentes métodos de contar histórias ou de divulgar informação. Tudo dependerá da imaginação e da capacidade criativa do autor.

Seja como for, o escritor enfrenta, a médio e longo prazo, grandes desafios no seu trabalho de escrita e na conquista dos novos leitores cujos hábitos de leitura serão seguramente diferentes.

Catarina Araújo

3 comentários:

  1. "A mudança da pena para a caneta para a máquina de escrever e para o computador alterou irrevogavelmente processos de escrita".

    A propósito deste tema, li, uma vez, o testemunho curioso de Sol Stein, que teve alguns best-sellers na América, mas é mais conhecido por ter escrito sobre escrita criativa. Dizia ele que, habituado, nos anos 1950, 60 e 70, à sua máquina de escrever, torceu o nariz quando a filha, no início dos 80, comprou um computador. Nunca adotaria tal método, dizia ele. Mas, depois, constatou que já não precisaria de reescrever uma página inteira de um original, apenas para corrigir algumas palavras, ou eliminar um parágrafo. Além disso, entusiasmou-se com a ideia de "jogar" com os parágrafos, trocando-os de lugar, e, acima de tudo, com a perspetiva de poder gravar várias dezenas de originais na maquineta, acabando com as pilhas de papel!

    Hoje em dia, sorrimos, condescendentes, a tais afirmações. Mas foi uma revolução, não há dúvida. E estamos a meio de outra.

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  2. Muito interessante, muito curiosas, essas conclusões a que Sol Stein chegou. Lembro-me de em criança, quando passei da máquina de escrever para o computador, ter pensado em como era maravilhoso não ter de reescrever tudo de novo, e em como se podia editar muito mais facilmente, sem ter folhas e folhas escrevinhadas, cheias de emendas. Por outro lado, de vez em quando gosto de olhar para essas folhas povoadas de correções e frases riscadas e perceber no meio dos gatafunhos a linha de pensamento que se estava a formar.

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  3. É verdade, as correções podem ser interessantes. E não só as nossas. Lembro-me de ver a imagem de uma página original de Eça de Queirós, cheia desses gatafunhos e correções, e achar interessante. Estive mesmo vários minutos a olhar para aquilo, igualmente numa tentativa de lhe descortinar o raciocínio (já não me lembro onde foi, mas presumo que haja vários livros sobre o escritor com imagens dessas). Mas o que verdadeiramente me impressionou, naquela altura, foi constatar que mesmo um escritor como ele tinha dificuldades em encontrar as palavras e construir as frases certas.

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