Penso constantemente no conceito de leitura. Passamos o dia
a ler. A ler textos, a ler reacções, a ler o nosso próprio pensamento. Lemos
com os sentidos todos (as mãos lêem, os ouvidos lêem) e lemos com a cabeça, com
a intuição, com a interpretação. A leitura é sempre uma transformação de algo
que nos é oferecido. Nada nunca é lido da forma como é recebido. Ninguém lê o
que lhe é passado recebendo-o sem o transformar com o poder da interpretação.
Ainda assim, é comum que a leitura – se nos perguntarem o que é e não perdermos
tempo a reflectir numa resposta – seja apenas vista como a leitura de textos
com a visão, textos impressos ou digitais.
Foi o pensar tanto a leitura que me fez criar o LEVA – Ler
em Voz Alta, um projecto que grava, em suporte sonoro, livros em papel,
encomendados por clientes individuais. As razões para validar a encomenda podem
ser as mais variadas, mas a condição essencial é que o cliente final não possa
mesmo aceder ao livro impresso, por incapacidade. A ideia surgiu do culminar de
diversas histórias que me foram contando e que relatavam casos de familiares ou
amigos que, devido à idade ou problemas de saúde, iam deixando de conseguir
ler.
Em muitos outros países, nomeadamente em alguns países do
Norte da Europa, os audio-livros são objectos com uma produção muito cuidada
que acompanham o livro físico e o cliente pode optar por um dos dois. Assim,
qualquer pessoa pode ouvir um livro que escolheu enquanto faz exercício físico,
enquanto executa tarefas domésticas ou conduz. Nesses países, um audio-livro
pertence ao universo da leitura, o que não acontece aqui.
A diferença do nosso país para outros, prende-se sobretudo
com o facto de que aqui o mercado do audio-livro não complementa um livro
físico, cria sim um objecto de raiz. Ou seja, é um objecto autónomo
relativamente a um livro impresso relembrando, como tal, que estamos perante um
livro audio e não um livro lido em voz alta, apenas.
Para os invisuais a opção de ler um livro tem apenas dois
caminhos – o audio-livro e o braille.
O braille tem muito pouco circuito
comercial, limitando-se, embora não exclusivamente, a invisuais de nascença. O
audio-livro tem uma oferta escassa. As possibilidades são, portanto, muito
limitadas.
Com o LEVA pretende-se que qualquer pessoa que tenha uma limitação
na capacidade de ler o livro físico, veja essa mesma limitação diminuída tanto
quanto possível. Neste caso, pretendemos que a oferta seja igual à que temos
quando entramos numa livraria, sem que esse serviço tenha os custos de um
serviço de luxo, apenas ao alcance de uma minoria. Com o trabalho de
voluntários pretendemos que a leitura esteja acessível a custo zero.
O mercado do audio-livro, a meu ver, teria mais hipóteses de
vingar do que o e-book, apesar do
crescimento que temos assistido relativamente a este último, uma vez que o
audio-livro acrescenta possibilidades de leitura enquanto que o e-book apresenta poucas vantagens
relativamente ao livro físico. Não digo que um tenha necessariamente de se
substituir ao outro, digo apenas que a energia que as editoras gastam a
concentrar-se nos e-books poderia ser
gasta em audio-livros que teriam, garanto, muito mais sucesso e cumpririam
assim um objectivo socialmente mais rico e positivo, pois, para além de porem a
ler quem não tem tempo (e hoje em dia há tantos que o afirmam com tanta
displicência), aumentando as possibilidades da própria leitura, permitiam a
leitura a quem não pode aceder a um livro físico. E, neste contexto, não posso
deixar de referir o importantíssimo papel das grandes cadeias livreiras (uma
vez que as independentes fazem um trabalho muito mais cuidado nesta área) no
dar visibilidade ao tão pequeno mercado de audio-livros que temos por cá,
valorizando, assim, o trabalho destas editoras que resolveram arriscar num
mercado difícil porque não se relaciona apenas com a mudança de hábitos – é um
mercado que, para vingar, tem de revolucionar a forma como as pessoas vêem a
leitura. E aí voltamos ao início deste texto.
Rosa Azevedo
É verdade que, na Alemanha, os audio-livros pertencem ao "universo da leitura". E a produção, cuidada, pode ir da simples leitura (normalmente, por um profissional, como um/a locutor/a, ou um/a ator/atriz) àquilo que se pode quase chamar de "teatro radiofónico", com várias vozes para as diferentes personagens. Também há produções muito sofisticadas, como, por exemplo, para romances históricos medievais, onde, nas cenas devidas, se ouvem sons de batalha, de animais, ou citadinos.
ResponderEliminarNão sei dizer qual a quantidade de livros (em papel) é também publicada sob a forma de audio-livro, mas arrisco a dizer metade, pelo menos. É uma verdadeira indústria que movimenta muita gente e muitos meios.
O meu marido aprecia muito os audio-livros, pois desloca-se de comboio para o local de trabalho e tem dificuldades em ler com ruídos/conversas à volta. Os audio-livros são, por isso, o ideal para ele, nessa situação.